sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

REVOLUÇÃO PAULISTA DE 1924

Chegou a hora de envolver minhas personagens num dos episódios mais violentos da história da cidade de São Paulo, se não o mais violento de todos: o capítulo paulista do Movimento Tenentista, marcado com os "Dezoito do Forte", no Rio de Janeiro, em 1922, e que continuou depois como Coluna Prestes, percorrendo o Brasil durante muitos anos. Em São Paulo, a rebelião durou 23 dias, e os revoltosos conseguiram efetivamente conquistar a cidade, dominando o Palácio do Governo, os quartéis do Exército e da Polícia Militar, e obrigando o governador a refugiar-se fora da cidade, de onde ele comandou os bombardeios para retomar o poder. Esses bombardeios foram classificados como "terrificantes", um dos crimes de guerra definidos pela Convenção de Haia em 1917, pois as bombas e granadas eram jogadas sem objetivo certo, "a esmo", atingindo casas, lojas, fábricas e matando população civil. As baixas militares foram muito pequenas, enquanto mais de 500 pessoas morreram e mais de cinco mil ficaram feridas - isso em números oficiais, que deixaram de ser computados depois que a legalidade venceu a revolta.

É claro que Toni vai ver de perto o avanço das tropas - tanto revoltosas como governistas; é claro que ele vai passar noites acordado, temendo que alguma granada caia em sua cabeça. É claro que a pensão de Dona Luizinha, que fica no Brás, um dos bairros mais afetados pelos bombardeios, vai sofrer alguma coisa, com seus moradores - nessas horas, é muito bom ter um grupo de personagens secundários tão disponíveis, para participarem ativamente de todos os eventos (mas, desta vez, ainda não matei nenhum deles).

Pesquisando daqui e dali, encontrei o site do Arquivo de São Paulo que trata desse assunto. Traz informações e fotos mas o material mais rico, para meus propósitos, é uma sessão de fontes selecionadas, em que estão listadas as manchetes dos jornais da época. Ora, uma coisa é um texto que diz: "A cidade foi bombardeada durante vários dias". Certo, quais dias? Toni não pode passar 23 dias com medo das bombas se, na verdade, o bombardeio só começou no décimo dia, por exemplo. Outra coisa é a manchete do jornal de 12/7 dizer: "Efeitos do bombardeio de hontem(sic)". Ah, isto é informação para o que eu preciso! Agora eu sei que houve bombardeio no dia 11/7. Como vários jornais noticiaram o conflito, cada um com seu ponto de vista, fiz uma tabela comparativa, para não perder nenhum detalhe de informação para cada dia. Depois encontrei um texto de Sérgio Rubens de Araújo Torres, também bastante descritivo do dia-a-dia do conflito, que me deu informações valiosas sobre estratégias, contratempos, teor de panfletos e atitudes individuais das pessoas envolvidas. Meu trabalho agora é contar tudo de maneira informal, em cenas e diálogos. Em vez do narrador dizer: "a população abandonou a cidade", Dona Luizinha, muito nervosa, vai dizer: "eu não fico mais aqui. Vou embora, pra casa da minha irmã em Campinas, Todo mundo está indo embora e eu não vou ficar aqui esperando a casa cair na minha cabeça". Pronto: informei que a população abandonou a cidade; que a maioria das pessoas foi para a região de Campinas; que as pessoas temiam ter suas casas destruídas pelas bombas. Tudo em apenas uma fala de personagem, sem a interferência do narrador.

A Revolução Paulista é um dos últimos eventos da segunda fase da minha história. Estou quase entrando na terceira fase, já com sentimento de que agora é que a história vai começar de fato. Então, se ainda vai começar, a hora de acabar está muito longe...

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

RELATÓRIO DE PROGRESSO – 18 MESES


Pois é, dia 1/12 fez 18 meses que comecei a escrever a história de Toni – ou Rosinha, seu nome oficial, enquanto não encontro um título adequado. Em um ano e meio escrevi 276 páginas, o que dá uma média de 0,506 página por dia, que é mesmo o meu padrão.

Ainda estou na segunda fase, o que significa que Letícia ainda não saiu da história. A primeira fase ficou com 125 páginas e essa segunda fase já está com 151 páginas. Estou no ano de 1923 e a segunda fase só acaba em 1927. Ou seja, tenho um longo caminho ainda a percorrer, sob a influência de Letícia, personagem que tornou essa história possível (como contei aqui). Júlia acaba de entrar na história: mais uma personagem a desenvolver, pois ela também tem papel importante. Enquanto isso, Toni luta para alcançar seu objetivo, que é ter um bom emprego, com bom salário, para poder se casar com Rosa. Letícia veio para ajudar, ao mesmo tempo em que atrapalha (personagem fascinante, essa menina!)

Enfim, a história está rendendo e se desenvolvendo bem, dentro do que eu tinha mesmo planejado. As mudanças impostas pela personalidade das personagens não me obrigaram a mudar nenhum rumo, e só estão enriquecendo a trama, em detalhes e profundidade. A experiência de escrever essa história está sendo enriquecedora e fascinante, e é uma alegria poder acompanhar Toni, Rosa e Letícia em sua jornada de vida (ops! Formou-se um triângulo? Problemas à vista?)

sábado, 1 de dezembro de 2012

LANÇAMENTO DE "A NOIVA TROCADA"

Finalmente o lançamento deste ano! Para não correr o risco de novamente escolher o dia mais frio do ano para lançar meu livro (como aconteceu ano passado com Primeiro a honra), esperei o inverno passar mas, quando me dei conta, já era outubro, e eu nem tinha mandado os arquivos para a gráfica. Entrar em fila de impressão no final do ano é complicado, mas a Letras e Versos foi ótima e, mesmo tendo sido necessário fazer correções após a boneca, os livros me foram entregues esta semana. Só que agora não dá mais tempo de organizar e divulgar um evento de verdade, e tenho outros planos para o ano que vem (lançar pelo menos o primeiro tomo de Construir a terra, conquistar a vida). Então o jeito foi fazer mesmo este "evento virtual" para declarar que está lançado o livro A noiva trocada.

Este livro é um romance singelo, em que a trama acontece a partir de um acidente, que dá origem a um mal entendido (a "troca" das noivas). O pobre noivo precisa, então, decidir o que fazer para resolver a questão atendendo ao compromisso assumido pelo pai em seu nome, e a seus próprios sentimentos e desejos de vida.

Então, sem mais demora, a sinopse de A noiva trocada e a página do blog-livraria onde ele está.

Boa leitura! e depois me contem o que acharam.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

NÃO É COR-DE-ROSA


Finalmente cheguei a um título para a história que eu vinha chamando de Fábrica. Será: Não é cor-de-rosa. Levei uns bons anos e um bocado de massa cinzenta para chegar a essa conclusão (acabei de escrevê-la em 2006). Todo esse tempo, a questão da necessidade de um título ficou trabalhando na minha mente em segundo plano – é como eu chamo quando fico pensando sem prestar atenção conscientemente. Embora outras soluções tenham surgido nesse meio tempo, nenhuma me agradou. Mesmo esse título escolhido já está andando pela minha cabeça faz algum tempo mas só agora resolvi oficializar a decisão. Aos poucos, vou mudando o termo nos textos em que ele já apareceu.

Aparentemente, Fábrica e Não é cor-de-rosa podem não ter muita relação entre si e, se Fábrica se relaciona ao texto desde a primeira cena – operários saindo da fábrica após o dia de trabalho – Não é cor-de-rosa se relaciona ao primeiro encontro entre Alex e Caty, quando ele diz que a vida real não é como ela pensa ser. Depois, essa questão da cor vai acompanhando o desenrolar da história, para concluir que, se não é cor-de-rosa, então...

domingo, 11 de novembro de 2012

PROTAGONISTAS, ANTAGONISTAS E SEUS OBJETIVOS


Desde que inverti a relação entre Curt e Karl, venho pensando muito na questão dos objetivos de vida das personagens, e o que seria lícito para um protagonista. “Tomar o poder” é objetivo para um protagonista? Ou isso necessariamente se torna “impedir que alguém tenha poder”, jogando essa personagem para o papel de antagonista e elevando o “alguém” ao papel de protagonista? Essa questão acaba se desdobrando em “o mocinho pode ser o vilão da história?” E se, no final, o Bem vencer? Minha personagem principal será punida. De repente minha falta de finais felizes começa a fazer sentido: como meus protagonistas são na verdade antagonistas, e o Bem vence no final (minha formação ética não me deixa fazer diferente), minhas personagens acabam não tenho o final feliz que gostariam.
Sempre que a questão do poder – em geral apresentada como poder político – se apresenta, minha tendência é ficar do lado do contestador, do subversivo, do transgressor, e elevá-lo ao posto de personagem principal e ponto de vista da história. É esse transgressor que carrega toda a história, que conduz a trama, para, no final, entregar tudo àquele que tentou prejudicar – uma personagem frágil que só mostra sua força no final, justamente para subverter a classificação dos papéis e terminar como o protagonista que vence o antagonista.

É revoltante entregar o protagonismo a Karl e Estienne, por exemplo, quando o trabalho pesado de conduzir a trama foi de Curt e Ninette, lutando contra todo tipo de adversidade, lutando contra os inimigos de Karl e Estienne. E, de repente, só porque o poder pertence legalmente a Karl e Estienne, Curt e Ninette acabam sendo proscritos, e ocupando o lugar de antagonistas.

Preciso estudar melhor essa classificação de papéis para definir se meus “malvados” podem ser protagonistas, mesmo que objetivos que se opõem aos objetivos das personagens “boazinhas”.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O PROTAGONISTA SEMPRE VENCE O ANTAGONISTA?


É hábito da literatura expor o protagonista a todo tipo de dificuldade pelo meio do caminho e fazê-lo superar tudo antes do fim da história. Então, seja o antagonista outra personagem ou alguma circunstância da vida, o protagonista sempre o vence no final. Em algumas histórias, esses papéis são facilmente identificados e o leitor consegue acompanhar o desenvolvimento dessa temática sem dificuldade. Costumo pensar que, nas minhas histórias, a classificação protagonista / antagonista não é óbvia, o que dificultaria perceber se o protagonista sempre vence o antagonista no final. Na verdade, a questão é um pouco anterior: eu me apego aos antagonistas e acabo vendo-os como personagens principais e, portanto, protagonistas. Eles não se opõem aos protagonistas por loucura ou falta de caráter (tudo bem, há exceções) mas por circunstâncias da vida. Eles têm um motivo para estarem nessa posição e, em geral, é um motivo justo, então eu os perdoo. Muitas vezes, o antagonista é a personagem principal da história, enquanto o protagonista age e carrega a trama dos bastidores. Então, antes de eu poder dizer se, nas minhas histórias, o protagonista sempre vence o antagonista, é necessário definir exatamente qual é o objetivo de vida de cada personagem importante, durante a história, para ver se o objetivo de um se opõe ao objetivo do outro, para poder definir se um deles é antagonista, e finalmente analisar se, ao final, o objetivo de um se sobrepôs ao objetivo do outro e em que sentido (objetivo do protagonista se sobrepôs ao do antagonista // objetivo do antagonista se sobrepôs ao do protagonista). Mudança nos objetivos também significa derrota: ao ver que não conseguiria, o antagonista achou melhor fazer outra coisa.

Estou considerando que o protagonista é a personagem que, além de carregar a trama, tem pelo menos um objetivo a perseguir e que o antagonista, que também pode ser quem carrega a trama, tem por objetivo impedir, prejudicar ou atrapalhar o protagonista em seu objetivo.

Acho que especificar aqui o que acontece nas minhas histórias meio que tiraria a graça da leitura (eu estaria contando o final da história). Então vou deixar essa análise para meus leitores fazerem.

domingo, 21 de outubro de 2012

PREOCUPAÇÕES “PÓSTUMAS”


Tenho estado preocupada com o futuro de Toni. Não com os eventos que eu vou contar, mas justamente com o que vai acontecer a ele depois que eu acabar a história. É muito fácil para mim dizer que a história acaba em 1928, colocar ponto final e partir para inventar outra coisa. A história acaba, mas não a vida dele. Será que a Grande Depressão, de 1929, vai atingi-lo de alguma forma? Será que ele vai perder dinheiro? Será que vai perder o emprego? Onde estará ele durante a Revolução Constitucionalista de 1932? Será que ele se sentirá impelido a participar de alguma forma? Será afetado, mesmo se ficar de fora (como aconteceu durante a Greve Geral de 1917)? Como serão seus filhos? Seus netos? Como será que ele vai ficar quando velho?
São dúvidas assim que povoam a minha mente. Mas Toni não é o primeiro, e provavelmente não será o último. O futuro das minhas personagens depois que a história acaba é sempre uma preocupação à parte, porque foge ao meu controle. Eu sei tudo o que vai acontecer com a personagem durante o período da história mas, em geral, não invento o que vai acontecer fora desse período. Às vezes sei algumas coisas – por exemplo, que a personagem não vai viver muito tempo mais; ou que os problemas que ela pensa que resolveu voltarão a atormentar; ou que o cônjuge querido não é perfeito como se desejava e há conflitos sérios à vista. Mas não fico detalhando esse tipo de evento, pois não vou contá-los a ninguém, então às vezes tenho certas angústias por não ter certeza do que vai acontecer a eles, nem quando, nem como.
Já aconteceu de eu pensar em fazer uma continuação da história, uma seqüência, num volume ou título separado – foi com Romance em prosa do Cavaleiro de Nova Gália, quando eu contaria como o bravo Haliwain se casou com a bela Adriane, como tiveram filhos, como a vida se tornou rotina e como, por fim, sendo protótipo de cavaleiro do ciclo arturiano, ele morreu bravamente em combate e, homenageando Tristão e Isolda, Adriane morreu de tristeza junto com ele. Quando tudo isso estava delineado e eu tinha a sequência de eventos, desisti: tanto esforço para escrever um livro só para contar que meu heroi paladino é humano e morre? Achei que não seria justo para com ele e não levei a ideia adiante.
Outras duas vezes, eu consegui soluções diferentes: 1) em Amor de redenção mesmo sem detalhar, eu contei os eventos futuros mais relevantes – tanto que a história vai até 2047; 2) Construir a terra, conquistar a vida tem uma estrutura engraçada: os dois primeiros anos têm um ritmo, e depois de contá-los eu já poderia colocar ponto final e acabar ali a história. Mas ainda tinha tanto a contar, faltava nascer crianças, faltava decidir a vida de Fernão... então continuei, detalhando os eventos seguintes, escrevendo e contando: como nascem os filhos, como a vida se torna rotina, como a rotina muitas vezes é quebrada, como os filhos crescem, e se casam, e vêm os netos... Quando enfim pus o ponto final, o destino de todos já estava definido e, de certa forma, contado, então não havia nenhum resíduo a me angustiar.
Mas essas três histórias são exceção, e tiveram tratamento diferenciado. A regra mesmo é eu ficar me preocupando (inutilmente) com o futuro das minhas personagens, mesmo sabendo que, salvo raras exceções, a essa altura todos os problemas delas estão resolvidos, afinal estão mesmo todas mortas.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

KARL E CURT / CURT E KARL


 São as personagens de O maior de todos que disputam o poder sobre o pequeno e frágil reino germânico de Durpoin. Quando eu sonhei essa história, Curt era a personagem predominante, que tinha que influenciar o Rei para salvar Lisbet, depois do acidente com a Rainha. Karl era apenas um menino com uma coroa na cabeça, alguém que não resistiria à persuasão de Curt. Senti a confiança de Curt em seu próprio poder, apesar das circunstâncias, e resolvi escrever a história para mostrar isso.
Quando eu escrevi essa história, Curt era a personagem principal, o protagonista, aquele que conduz, não apenas a trama, mas também o destino do reino e das pessoas que estão nele. Ele era o poderoso Curt Legrant, o conde que manda no rei, que domina o conselho dos ministros, e cuja palavra é lei. Karl era um jovem frágil, inexperiente, dependente de Curt, ansiando por libertar-se mas geneticamente predestinado à submissão, embora capaz de uma subversão em algum momento.
Quando analisei essa história, vi o conflito entre o grande e o pequeno, vi como Curt e Karl se alteram no poder, e vi que conseguir o que se quer nem sempre é o melhor que pode acontecer a alguém. Na minha leitura, Curt era o protagonista e o antagonista eram as circunstâncias. Karl era um terceiro, sem papel identificado.
Então veio o blog e, para produzir estes textos, novas análises foram necessárias. Explorei os aspectos que eu já tinha observado e fiz novas observações. O primeiro estranhamento foi quando tratei da Jornada do Herói. Outros protagonistas eram ou não heróis, mas aqui quem faz a Jornada é Karl, e não Curt. Depois falei dos protagonistas e antagonistas, e contrapus Curt a Karl em alternância, o que também é estranho, já que Karl não age contra Curt. Mas foi ao analisar os inimigos de confiança que uma nova luz se fez: o protagonista de O maior de todos é Karl. Curt é, na verdade, o antagonista. É Curt quem precisa ser detido em sua sede de poder; é Curt quem se opõe a que Karl reine plenamente, como rei recém-coroado que é. Curt não é um vilão, porque não faz maldades, e tem seus próprios problemas pessoais para resolver, aos quais dedica muita atenção. Mas o objetivo de sua vida é atrapalhar Karl e é isso o que ele faz todo o tempo, no papel de antagonista. E, por fim, quem subjacentemente está conduzindo a trama, quem soluciona o conflito de poder é Karl, num papel de protagonista que vai crescendo ao longo da história.
Dessa nova leitura, surgem novas questões, que vou contando aqui à medida que for conseguindo refletir sobre elas e elaborá-las.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

MELHOR AMIGO OU INIMIGO


Minhas histórias não são do tipo que um herói vence inimigos. O conflito protagonista – antagonista não é óbvio. Há casos em que o antagonista é alguma circunstância, e não uma outra personagem. E, como não gosto também dessa visão simplista de bem x mal, costumo desconstruir a relação mocinho x vilão. Muitas vezes, o vilão é a pessoa em quem o mocinho pode confiar, não por ser a única alternativa, mas por ser a melhor. Em algum momento da trama, a pessoa que, de alguma forma, quer o mal para o protagonista se torna a pessoa em quem o protagonista pode realmente confiar. Algo como se o vilão dissesse “proteja-se apenas de mim, e eu o protejo do resto do mundo”. E há também a possibilidade da pessoa que quer o bem do protagonista, o amigo, por alguma fatalidade, acabar prejudicando e fazendo o mal, em geral, involuntariamente. Vamos falar de cada um em termos de “Caso 1” e “Caso 2”.

Caso 1 – inimigo de confiança

Acho que o típico inimigo de confiança é Curt Legrant. No meio de todo o conflito político, a única pessoa em quem Karl pode realmente confiar é Curt: o próximo na linha sucessória, e o homem cuja missão de vida é enfraquecer o poder do Rei. Talvez por Curt ter objetivos tão explícitos, Karl sabe o que esperar dele, como agir diante dele, e pode confiar a ele sua vida, pois a morte de Karl destrói o objetivo da vida de Curt. E Karl confia nele cegamente.

Fréderic e Ágila são do tipo “eu te projeto do mundo para que só eu lhe faça mal”. É uma proteção que sufoca, que faz mal, porque fragiliza e torna dependente. E, mesmo assim, Ninette e Camila vêem neles a pessoa de confiança, a quem podem entregar a vida sem receios. Há uma cena em que Ninette diz “Será que eu só tenho você?” e Fréderic responde “Não sei se sou o único, mas pode sempre confiar em mim”. Há uma outra cena em que Ágila diz “Mas eu posso protegê-la de tudo. Você está assustada porque vivemos num mundo violento mas você sabe que não precisa ter medo de mim.” E é assim que Camila descreve o abraço de Ágila: “Os braços dele eram como uma muralha a envolvê-la e a protegê-la de tudo. Mas também era um abraço que a isolava do mundo, e criava um universo próprio, em que só eles dois existiam.” E Ninette confia em Fréderic, assim como Camila confia em Ágila.

Quando Alex sugere a Caty que visite a fábrica do pai dela, quer vingar-se dela por sentir-se humilhado pelo comportamento e pela atitude dela. Nessa hora, ele é um inimigo. Mas Caty sente que a proposta dele pode lhe trazer algum bem e segue a sugestão de Alex  Confia no que pensa que ele sente e o segue até a última consequência.

Da mesma forma, quando Jacques começa a contar a Marie eventos do passado, está agindo como inimigo dela, mesmo dizendo que lhe quer bem. Ele também é inimigo de Gustave, mas tanto Marie quanto Gustave permanecem inertes frente à influência dele. Apesar de tudo, Marie confia em Jacques – mais até do que em Gustave.

Caso 2 – amigo que faz mal

Nessa categoria, acho que um dos mais marcantes é Maurits, talvez o melhor amigo de Nicolaas. Por causa dessa amizade, Nicolaas enfrenta muitas dificuldades na vida, mas é uma amizade marcante, que segue firme até o fim da história. Maurits deseja bem a Nicolaas  mas, involuntariamente, faz mal.

Já comentei sobre Letícia e seu papel dúbio, sendo ao mesmo tempo quem ajuda Toni no objetivo imediato e quem o afasta da meta final. Ela é uma amiga, quer ajudar, mas acaba também fazendo mal.

Penso que tudo isso cabe no tema das falsas aparências, que acaba sendo constante nas minhas histórias, de uma forma ou de outra. Inimigos que fazem bem, amigos que fazem mal são subversões das caracterizações típicas. Gosto disso, de não saber o que esperar de uma personagem. Acho que é um ponto de interesse na história: construir personalidades complexas e, de certa forma, imprevisíveis.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

ENCENAR



Lá em 1985, eu comecei a inventar as histórias antes de dormir – hábito que mantenho até hoje, embora atualmente a atividade me absorva em outros momentos também. Nesse início, eu não me contentava em criar mentalmente, mas vivia as cenas que inventava, falava, gesticulava, e é por isso que a maioria das cenas de Odestino pelo vão de uma janela, por exemplo, acontece à noite, quando Marie se deita para dormir.
Aos poucos, fui melhorando meu processo de criação e focando mais nas necessidades das histórias do que na minha realidade de estar inventando na hora de dormir. A atividade ficou mais mental e menos física. Mesmo assim, muitas vezes tenho necessidade de encenar o que escrevi para me assegurar de que os gestos ficaram naturais, de que a fala não é um trava-línguas, ou não ficou com vício de linguagem (exemplos que eu tive que trocar: “não sei se eu sei ser assim”; “rondando as redondezas”). Em geral, faço isso quando estou sozinha, mas já precisei pedir ajuda para saber se um determinado gesto era possível – e aí sobra para o marido e para a melhor amiga, que são pessoas pacientes e dispostas a me ajudar, e que vão aceitar, sem maiores questionamentos, um simples “é pr’uma história que estou escrevendo” como resposta ao óbvio “pra que você quer saber isso?”
O caso mais pitoresco aconteceu em Amor de redenção. Há uma cena em que Camila sai da escola, encontra Ágila e briga com ele, enquanto anda pela rua. Como eu construí a ambientação para que ela estude num colégio específico – embora eu não diga o nome dele – eu resolvi que precisava saber em que ponto exato da rua cada fala era dita, cada gesto era feito. A cena já estava escrita quando eu encenei. Na época, eu morava na Glória e estava fazendo um curso (por acaso, de escrita criativa) quase chegando em Botafogo. Como a cena da minha história acontece no Catete, resolvi ir a pé para o curso, para passar pelo local da cena. Quando me aproximei do colégio, tirei os papéis da bolsa e me preparei. No portão do colégio, parei e comecei a ler as falas em voz baixa e a caminhar conforme a descrição que eu tinha feito: sai andando rápido, para, continua devagar, acelera o passo, para de novo. Fiz o possível para ser discreta mas percebi que algumas pessoas me olharam, estranhando eu andar lendo, alterando o passo e parando sem motivo nenhum. E o que a princípio até para mim parecia uma excentricidade mostrou-se muito útil pois a cena é mais curta do que eu tinha imaginado (ou a rua é mais longa) e eu tive que ajustar algumas descrições de forma que combinassem com a realidade.
Eu tinha que ter feito algo parecido em Difícil conquista, na cena em que Pedro e Lisa atravessam do Copacabana Palace para a praia mas, na época em que escrevi, tinha vergonha de fazer isso e depois essa história foi descartada, de forma que a averiguação se tornou desnecessária.
Ambientar histórias na cidade em que se mora tem essa vantagem, de se poder facilmente marcar as cenas no cenário. Quando se escreve histórias ambientadas em outras cidades (a própria cidade em outros tempos também é outra cidade), é preciso usar outras estratégias para esse tipo de marcação, e recorrer a fotografias, mapas e cálculos matemáticos, sempre correndo o risco da marcação não ficar correta. É bem mais fácil simplesmente encenar.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

TONI E AS MULHERES


Desde que chegou a São Paulo, Toni tem estado cercado por mulheres. Desde Dona Luizinha, que o hospedou em sua casa, e o trata como a um filho, até Júlia, que ainda não entrou na história mas será alguém com quem Toni terá um vínculo forte. Outras três são Janaína, Raquel e Letícia, amigas que em algum momento da trama têm atitudes importantes e decisivas. Há ainda Ana Paula, vilã declarada, e Nara, secundária que será de grande ajuda para Toni na terceira fase. Enquanto isso, embora ele more numa pensão com mais sete rapazes, o único amigo realmente é Luigi. Alberto também tem certa importância mas não chega a ser determinante.

Essa característica ainda não tinha sido tão notável em nenhuma outra história. Os amigos, em geral, são do mesmo sexo que o protagonista, pois acredito que há mais afinidade de amizade entre pessoas do mesmo sexo. Penso que, em geral, fazemos confidências íntimas a pessoas que compartilham conosco certos modos de ver e entender o mundo – e penso que essa é uma das diferenças fundamentais entre homem e mulher. Pares românticos não entram nessa conta, pois é outro tipo de relação. Cada história tem sua característica própria. O destino pelo vão de uma janela é marcada pelos companheiros de infância do protagonista Gustave: Marcel e Jacques. Em O processo de Ser, a personagem extra é Piotr, mesmo sexo de Ilya, e seu contraponto. Em Pelo poder ou pela honra, curiosamente (e eu não tinha parado para pensar nisso), a protagonista é mulher e as personagens determinantes são todas masculinas: Estienne, Fréderic, Jules, Pierre e Antoine – o mesmo que agora percebi na história de Toni, só que ao contrário. O aro de ouro e Amor de redenção não têm personagens extras determinando a história: tanto Lucas como Ágila constroem seu próprio destino, sem ajuda externa. Nem tudo que brilha... repete Pelo poder ou pela honra: protagonista feminina cercada de homens: Roberto, Marcos, Vicente, embora a personagem realmente determinante seja Cecília, mulher como a protagonista Isabel. O maior de todos é uma história de homens, e as mulheres são secundárias. Em Primeiro a honra, Rosala tem Constance, Berta, Adèle e Atilde a marcarem seu destino, mais do que Lanrose, Toulière e Archibald (pares românticos não contam). Em A noiva trocada, Henrique é ajudado por Pedro, Amândio e Miguel. A grande marca de Construir a terra, conquistar a vida é a amizade entre Duarte e Fernão. Rodrigo, de Vingança, não tem amigos, pois é um vingador. Em Não é cor-de-rosa, Caty tem as amigas Lúcia e Isabel, com quem troca confidências. Nicolaas é exagerado como Toni, no sentido de ser cercado por personagens que interferem em seu destino, mas são todos homens: o pai François, o irmão Robrecht, os amigos Maurits e Miguel, o abade do mosteiro de Ten Duinen, Irmão Willem, o Conde de Flandres, Laurent, os Filhos de Flandres. A única mulher de maior expressão (ressalto de novo que Ester não conta) é a mãe Hannelore.

Penso que essa diferenciação reflete as diferentes questões e temas abordados nas histórias: quando o tema é mais intimista, em que o conflito da personagem é com ela mesma, ou entre seus desejos e as normas sociais, há menos personagens externos determinantes; quando o tema é mais social e relacional, quando a personagem deseja construir na sociedade – ou, em outras palavras, apenas levar uma vida normal, ela é sofre mais influência de outras pessoas. Mas o que faz eu escolher cercá-la de pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto é algo que ainda merece maior reflexão para que eu possa tentar chegar a uma resposta ao menos aceitável.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

RETOMADA DE TEMAS


Em primeiro lugar, peço desculpas a meus leitores por não estar publicando os textos nos dias combinados. Está difícil lembrar que chegou o dia e é hora de publicar. Está difícil também deixar de lado a história de Toni para escrever estes textos e deixá-los preparados para a publicação. Mas já entendi que não basta anotar o compromisso na agenda, é preciso depois olhar para a agenda, então espero não atrasar novamente a partir de agora.

Mas, indo ao que interessa, lembro que já contei aqui que, como meu processo de criação começa no inconsciente, muitas vezes retomo certos temas para serem trabalhados de forma diferente, como se buscasse outra solução, ou até da mesma forma de novo, numa espécie de confirmação da solução encontrada.

Em Rosinha, fui capaz de identificar alguns temas que já foram abordados em outras histórias. Tenho revisões de temas de O canhoto e Fábrica, principalmente. Os temas recorrentes que identifiquei se relacionam ao relacionamento entre Toni e Rosa; entre Toni e Letícia; a forma como vou construindo a caracterização de Rosa; a jornada do herói, que tanto Nicolaas quanto Toni empreendem. Provavelmente há outros temas, que ainda não identifiquei, e que inclusive não vou conseguir identificar, por tratarem de questões gravadas apenas no meu inconsciente.

É interessante ver como as idéias se repetem com uma roupagem diferente, e o que é visível para mim pode não ser perceptível a outras pessoas. Identificar temas recorrentes é importante pois podem significar questões de auto-conhecimento que eu preciso trabalhar melhor em mim. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

PERSONAGEM COM DUPLA FUNÇÃO


Quero falar sobre a dupla função / dupla caracterização da personagem de Letícia Prado. Há alguns dias atrás, vi uma dica no Facebook de Ricardo Ragazzo (espero que o link funcione) que rendeu comentários, incluindo a questão “resumirás teu livro em apenas uma palavra”. Nem uma sinopse (cerca de 20 linhas), nem uma frase (máximo de três linhas), mas apenas uma palavra. Certamente, a questão é “defina qual é o tema absolutamente principal da história”, para não se afastar dele, nem deixá-lo ficar secundário. É claro que quis aplicar isso, e defini como tema principal da história de Toni a palavra “ambição”. Afinal, foi por isso eu ele saiu da casa do pai, é por isso que ele está sofrendo todo tipo de necessidade e tentação em São Paulo.
Então, diante da definição dessa palavra-tema principal, Letícia Prado é uma aliada, pois ela entra na história para ajudar Toni a resolver essa questão com o dinheiro. Mas, embora Toni seja movido, sim, por uma grande ambição, ele não quer o dinheiro (e uma vida melhor) apenas para ter, para si mesmo. Ele quer dinheiro para se casar com Rosa. Ele quer uma vida melhor para dividir com Rosa. Então, embora o tema da história e a motivação da personagem principal sejam a ambição, o objetivo da personagem é o amor. Por esse ponto de vista, Letícia é antagonista de Toni, pois a solução que ela oferece a ele o afasta de Rosa. Então fiquei pensando como é interessante construir essa personagem que é ao mesmo tempo uma aliada e uma inimiga, pretensa-mocinha e quase-vilã, além de ter uma personalidade frágil porém firme e decidida.
Quando inventei o artifício “Letícia” na tentativa de resolver e dar emoção à estadia de Toni em São Paulo (já que ela é aliada e inimiga), percebi que tinha finalmente uma história possível (não é a primeira vez que tento escrever essa história), que eu não estava conseguindo construir sem ele. Mas a presença de Letícia quase me fez descartar mais esta versão da história porque, nessa segunda fase da história, é ela quem posa de mocinha, tentando roubar o lugar de Rosa na vida de Toni e na estrutura da história. Só quando consolidei a posição de Rosa é que eu pude permitir a existência de Letícia. Então mais uma vez ela é dúbia, sendo ao mesmo tempo o possibilitante e o inviabilizante da história.
Estou escrevendo a parte em que Letícia Prado começa a brilhar na história. Espero que os leitores se deixem levar por sua personalidade forte numa aparência frágil, e se afeiçoem a ela, sem perceber como ela se esforça por afastar Toni de seu objetivo, que é casar-se com Rosa. Espero também que os leitores perdoem seu egoísmo e entendam seus motivos; e por fim, lamentem quando ela sair da história, no final da segunda fase (lembrando que sair da história não significa morrer, apenas afastar-se da trama principal). Letícia Prado: uma personagem para ser amada na segunda fase e superada na terceira fase. Adoro isso!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

ANIVERSÁRIOS E OUTRAS FESTAS


Minhas personagens não comemoram seus aniversários. Um dos motivos é que eu simplesmente não sei qual o dia em que elas nasceram. Também não sei se, nos séculos passados, as pessoas comemoravam seus aniversários. Penso que as grandes festas eram as religiosas – Natal, Páscoa, dia do Padroeiro, santos de devoção. São festas públicas, que envolvem toda a comunidade, enquanto aniversário é uma festa particular por excelência.
É claro que as minhas personagens têm data de nascimento, sabem quantos anos têm e que dia fazem aniversário (“dia dos anos”, como dizia minha avó materna). Somente as personagens dos séculos V e VI (todas de Primeiro a honra e Ágila, de Amor de redenção) se guiam pelas estações, e não pelos meses e anos, então elas não sabem em que dia nasceram. Contam sua idade, mas não têm como comemorar aniversário.
Então, se em casa elas têm almoço especial, se os amigos fazem um brinde, eu não conto. Nem ao menos digo que fizeram aniversário. Já falei sobre isso aqui, quando disse que as personagens não têm signo.
Contrariando tudo isso, Toni e Rosa não apenas têm data de nascimento como comemoram seus aniversários. Minha ideia inicial era de fazê-los nascer no mesmo dia mas, por terem características de temperamento diferentes, depois achei melhor que fossem de dias diferentes, para inclusive terem signos diferentes. Assim, Toni é de Capricórnio, aquele que trabalha para conquistar o conforto que deseja. E Rosa, nascida dez dias depois, já é de Aquário, que vive alimentando sonhos e ilusões utópicos (são as características dos signos que mais refletem o comportamento das personagens). Diante disso, acabei tendo que comemorar também o aniversário de Letícia, que é do signo de Libra, e de Júlia (personagem que ainda vai entrar na história), que é do signo de Virgem.
E, já projetando para o futuro, tenho uma próxima história, de curta duração, ambientada no Rio de Janeiro entre 2010 e 2012, em que as personagens principais também comemoram seus aniversários. Poderia significar uma mudança de atitude, indicando uma nova preocupação com comemorações, mas um outro projeto de história, de longa duração, ambientada num tempo/espaço fantástico, também não terá festa de aniversário. Então novamente essa é uma questão relacionada às necessidades de cada história, e não relacionada a uma mudança de estilo ou comportamento meu.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

DURAÇÃO DAS HISTÓRIAS

Não faz muito tempo, publiquei aqui um levantamento de quanto tempo duram as minhas histórias, e descobri que a grande maioria envolve uma curta passagem de tempo – entre uma semana e até dois anos. Apenas poucas histórias têm duração maior. Fiquei pensando em que significado isso poderia ter, e cruzei também outras tabelas para ajudar na reflexão.

Essas histórias mais longas – O destino pelo vão de uma janela, que dura nove anos; Construir a terra, conquistar a vida, que dura vinte e cinco anos; O canhoto, que dura sete anos; e Rosinha, que dura quinze anos – em geral são histórias que envolvem o amadurecimento do protagonista, o que não acontece da noite para o dia, nem em um curto ano resolvendo problemas, pois amadurecer é tarefa para a vida inteira. Então essas tramas longas têm maior profundidade psicológica, em comparação às tramas curtas (exceto O destino pelo vão de uma janela, pois na época eu ainda não tinha experiência de vida e literatura para dar a devida profundidade a Gustave e Marie).

Cheguei a cogitar a possibilidade de que o alongamento da trama, com a necessidade da busca de amadurecimento por parte das personagens, estivesse relacionado a meu momento atual de vida, em que tenho feito certos balanços e chegado a algumas conclusões em termos de maturidade. Em outras palavras, minhas histórias estariam se tornando longas à medida que amadureço. Mas, na verdade, não é isso o que acontece, pois O destino pelo vão de uma janela é do início da carreira, e entre meus projetos para escrever há uma história que não deve durar nem mesmo um ano. Então a longa duração tem a ver mesmo com a necessidade de cada história e cada personagem, e está mais relacionada com os temas tratados do que com meu momento pessoal. Por outro lado, os outros dois projetos que também estão esperando para serem escritos são histórias de longe duração, assim como a história que estou escrevendo agora (Rosinha) e a última que escrevi (O canhoto). Gosto dessa longa duração, de ter bastante tempo e espaço (páginas) para caracterizar e desenvolver as personagens, acompanhá-las enquanto crescem e amadurecem. É um desafio caracterizá-las na transformação, fazê-las mudar sem que percam sua essência e traços fundamentais de sua personalidade.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

EXAGEROS


Tenho que confessar que exagerei um pouco quando disse que, a partir da chegada de Letícia, todas as cenas estavam exaustivamente elaboradas até o final da história. O que acontece, para ser mais precisa, é que, a partir da chegada de Letícia, há mais cenas importantes para a estrutura da trama – estas, sim, foram criadas, recriadas e repetidas muitas vezes. Os momentos fundamentais estão bem detalhados, mas há cenas intermediárias de menor importância – e estas não foram elaboradas exaustivamente. Então, ainda estou sujeita a momentos de indecisão, de não saber como conduzir o texto, para chegar na próxima cena-fundamental-exaustivamente-elaborada. Outras pessoas chamariam de “branco” mas eu não tenho “brancos”, tecnicamente falando. Meus momentos de indecisão seriam mais próximos de um “cinza 70%”, pois eu só tenho que pensar qual é o próximo evento fundamental, ordenar os eventos intermediários, e escrever todos.
Um exemplo dessa não-elaboração-exaustiva de todas as cenas é a presença de Toni na Semana de Arte Moderna. Não é um trecho fundamental para a história, então eu só tinha de certo que ele estaria presente. Acabei fazendo um texto descritivo (e um pouco didático) do que foi a Semana de Arte Moderna, quais os eventos, quem eram os artistas (meu lado historiadora da arte não resiste nessas horas) mas tive que deixar espaços em branco, porque a programação completa da Semana de Arte Moderna está num arquivo no computador e, se meus leitores bem se lembram, eu escrevo a mão. Ou o computador está ligado, ou eu estou escrevendo. São atividades excludentes, e ainda não juntei as duas, para preencher os buracos no texto, que não são poucos, pois houve palestras e/ou concertos em três dias, e é óbvio que eu não decorei a programação para narrar.
Então a Semana de Arte Moderna acabou, e já estamos no final de março. Toni está passando por algumas transformações, deixando de lado algumas características do Toni da primeira fase e se tornando o Toni da segunda fase. Com isso, ele perde aspectos da própria identidade. É interessante fazê-lo mudar gradativamente, um processo que para ele é imperceptível, e que ele só vai perceber quando chegar à terceira fase.
Quando eu escrevi o texto exagerado, eu estava no meio do turbilhão, com uma seqüência grande de cenas fundamentais para escrever. Agora estou num momento mais calmo, por isso reconheço o exagero daquela vez. Como estou sempre elaborando com antecedência, muitas vezes tenho pensado em cenas da terceira fase, e também fico com a impressão de que só ali é que a história vai realmente começar, pois será quando o conflito principal vai ser finalmente abordado, em conjunto com outros sub-temas, que estão sendo construídos na primeira e na segunda fases. A verdade é que são pontos de virada, pequenos momentos de clímax para manter o leitor interessado e atento.
Estou chegando à página 200... e ainda tenho muito para contar...

domingo, 1 de julho de 2012

RELATÓRIO DE PROGRESSO – 13 MESES


Estou tentando dar um gás maior à escrita de minha história atual, e tenho conseguido escrever mais do que a meia página da média do primeiro ano (como contei aqui). Estou na segunda fase desde a página 125, quando Letícia entrou na história para bagunçar por um lado – e arrumar por outro – a vida de Toni. Estou na página 187 e só um mês se passou. O momento é a Semana de Arte Moderna (fevereiro de 1922), e é claro que Toni esteve presente. Ele não vaiou as palestras nem os concertos, como outras pessoas presentes, mas achou horrorosas as pinturas e esculturas, dormiu nas palestras, e ficou horrorizado com os concertos. Mas é preciso perdoá-lo, pois ele ainda é apenas um lavrador tentando a vida em São Paulo, alguém que nunca antes teve acesso a expressões artísticas eruditas. É natural que ele não saiba apreciar toda inovação que o evento veio trazer à História da Arte Brasileira. Na verdade, o público que esteve presente à Semana, em geral, também não gostou das novidades, embora a maioria tivesse formação erudita. Então Toni está na média.

Enquanto estou escrevendo, vou repassando a estrutura projetada inicialmente, e fazendo os ajustes necessários. E é engraçado como os fatos se entrelaçam e determinam o tempo da história. Eu tinha programado um evento para setembro de 1924 mas depois quis puxar esse evento para março de 1924 - achei que iria demorar demais acontecer só em setembro. Conferindo minhas anotações, percebi que a Revolução Tenentista em São Paulo aconteceu em 5 de julho de 1924 (exatos dois anos após o episódio dos Dezoito do Forte, no Rio de Janeiro) e esse evento que eu tinha programado tem que acontecer após a Revolução Tenentista. Então tratei de recalcular tudo colocando o evento de volta a setembro de 1924, conforme o projeto inicial. Interessante como muitas vezes uma simples alteração de data muda toda a história. Nada como ter um projeto inicial para guiar todo o trabalho, e para o qual se pode voltar, se alguma alteração der errado.

Outra coisa que quero citar, como uma coincidência ilustrativa (não vale a pena escrever um texto só sobre isso, então estou encaixando aqui mesmo) é a música Asa Branca de Luiz Gonzaga, gravada na década de 1940. Não sei porque essa música voltou à minha memória recentemente, mas sei que eu a chamei pela estrofe: “Então eu disse adeus Rosinha // Guarda contigo meu coração”. Que coincidência! É basicamente o mesmo que Toni fala ao se despedir de Rosa! Minha Rosa, como a Rosinha de Luiz Gonzaga, é a amada que fica para trás, na árdua tarefa de esperar, enquanto seu amado vai em busca de melhores oportunidades, de novas chances de vida. E Toni também disse outra estrofe de Asa Branca: “Eu te asseguro // Não chores não, viu? // Que eu voltarei, viu? meu coração”. A motivação é diferente, mas a história é a mesma: o homem se aventura por uma vida melhor, enquanto a mulher espera o retorno de seu bravo herói. Assim são as histórias medievais. A gente rodeia, rodeia mas não consegue se livrar desse inconsciente coletivo, que está gravado no imaginário mais profundo.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

APOLOGIA RELIGIOSA


Estou lendo os primeiros capítulos de um dos livros de minha amiga literária Isie Fernandes e fiquei pensando que religião têm as personagens dela, pois sei que ela é evangélica. Será que todas as personagens dela são evangélicas só porque é a religião dela, ou ela consegue fazer personagens que acreditam em outras coisas? Bem, eu teria que ler as Obras Completas da autora para poder responder, mas seus livros ainda estão inéditos, então terei que adiar essa pesquisa.

A reflexão, porém, serviu para eu analisar a minha produção. Será que eu consigo caracterizar com convicção personagens que acreditam em coisas diferentes das quais eu acredito? Qual a religião das minhas personagens? Será que são todas católicas, só porque eu sou católica?

Bem, sim, a grande maioria das minhas personagens é católica, mas não por ser essa minha religião, e sim porque a maioria das minhas personagens vivem no mundo ocidental antes da Reforma de Lutero, Calvino e Henrique VIII. Estão nessa situação todas as personagens de O destino pelo vão de uma janela (883), Pelo poder ou pela honra (1415), O maior de todos (1348), Anoiva trocada (1572), Construir a terra, conquistar a vida (1567-1592), O canhoto (1189-1193). Devo acrescentar que, até meados do século XX, a grande maioria da população brasileira era católica, e eu teria que elaborar alguma estratégia para ter personagens não-católicas (por exemplo, descendentes de alemães protestantes vivendo em colônias tradicionais). Portanto, também são católicas as personagens de Vingança (1899), Fábrica (1910) e Rosinha (1913-1928). Há nuances nessa religiosidade, desde  Vingança  e  O destino pelo vão de uma janela, em que esse aspecto é tão sem importância que nem citado, até  O canhoto , em que a religião é tão importante que tenho monges e um mosteiro beneditino na história (e eu tive que estudar a Regra de São Bento para dar coerência ao comportamento e às atividades das personagens), passando por  Rosinha  e  Fábrica , em que as personagens vão à missa aos domingos.
Nas histórias ambientadas no presente (O processo de Ser, O aro de ouro, Nem tudo que brilha..., Amor de redenção), a questão religiosa não é mencionada, mas às vezes há aspectos de crenças citados – em Nem tudo que brilha..., as personagens se dividem entre quem acredita em reencarnação e quem não acredita. A questão da reencarnação, com personagens que acreditam e personagens que não acreditam, também está presente em Amor de redenção e, na fase que acontece no século V, todas as personagens são arianas, uma variante do catolicismo que foi declarada heresia no Concílio de Nicéia (325).

Minha grande personagem não-católica é Rudbert, que cultua ainda as divindades celtas, em companhia de Atilde, a vizinha feiticeira. É interessante, pois Primeiro a honra se passa na Europa após Cristo e antes da Reforma Protestante do século XVI mas há espaço para personagens pagãs, pois o século V é justamente de expansão do cristianismo pela Europa, então tenho na mesma história personagens cristãs recém-batizadas, e personagens que permanecem pagãs.

Após essa análise rápida, posso concluir que sou capaz de caracterizar bem personagens com crenças diferentes das minhas – a ponto de receber comentários de que eu estaria fazendo uma crítica ao cristianismo com a caracterização de Rudbert e Atilde.

Mas não nomeei este texto “Apologia” para falar da religião das personagens, e sim para falar da única vez em que a minha opinião religiosa prevaleceu. Procuro sempre deixar essas questões de fé em aberto, afinal minhas personagens têm direito de acreditar em coisas diferentes, e eu não tenho interesse em doutrinar o leitor. Então não fecho a questão se Rudbert está certo em seu paganismo, ou Rosala está certa em seu cristianismo; não decido se Roberto está certo em acreditar em reencarnação, ou se está certa Isabel em não acreditar. As personagens não argumentam, não tentam convencer o outro, mas respeitam a opinião diferente em silêncio. E, em Amor de redenção isso acontecia também – Ágila acreditando em reencarnação e Camila não acreditando. Mas, como essa é uma história em que o diabo aparece e contracena (o que já é suficiente para que seja uma história cristã, pois há religiões que não consideram a existência dessa entidade), precisei do meu repertório de crenças para combatê-lo. Camila é católica, Ágila é ariano, e é o poder do nome de Jesus Cristo que dá força ao casal para enfrentar o diabo. O sinal da cruz e a oração do Credo são as armas possíveis.

É claro que não fiz de caso pensado. Não pensei em fazer uma história doutrinadora – e espero não ter feito! Só recentemente percebi como a minha religião foi fundamental para o desenvolvimento da história. Penso que, nesse caso, as personagens – pelo menos Camila – teriam obrigatoriamente que ter a mesma religião que eu, pois é a que eu conheço melhor e cujas crenças eu saberia usar para o desfecho que eu queria. Então é a única história em que eu, através das personagens, defendo os conceitos em que eu acredito, especialmente na cena decisiva entre Ágila e Camila, em que ela fala dos Planos de Deus para a vida dele, e como a interferência do diabo atrapalhou isso, e mesmo assim Deus não o abandonou. É a fé inabalável de Camila que determina seu relacionamento com Ágila e, dessa forma, tudo o que acontece na história. É uma história realmente especial em vários aspectos, e este é apenas um deles.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

DUPLA COMEMORAÇÃO

E o blog completa mais um ano – o terceiro de vida. No ano passado, resolvi comemorar o aniversário do blog com o início de uma nova história, que tem o nome provisório de Rosinha, embora seja a história de Toni. Durante o ano, muitos dos textos publicados aqui trataram dessa história, de questões de criação e escrita que eu estava trabalhando, ou de como solucionei alguns problemas que encontrei. Então agora, um ano depois, é hora de contar em que pé estão as coisas.
Estou na página 165, o que dá uma média de 0,45 páginas escritas por dia. Esse é mesmo meu ritmo de escrita: meia página por dia, em média. O que acontece é que escrevo duas ou três páginas num dia, e depois passo um dia ou dois sem conseguir escrever nada; às vezes escrevo mesmo só meia página durante alguns dias. A velocidade não me preocupa, porque não estou apostando corrida com ninguém, nem passo os dias concentrada apenas nessa atividade. Ao contrário: escrever é algo que faço quando não estou cuidando nem da minha vida familiar, nem da vida profissional. Minha família e o emprego que paga minhas contas são prioridades na minha divisão de tempo. Então fico feliz em poder escrever meia página todos os dias, dentro do metrô, na fila do elevador, esperando alguma coisa, ou às vezes à noite, quando não estou caindo de sono. Se eu pudesse passar os dias apenas pesquisando e escrevendo, o ritmo seria muito mais intenso - O maior de todos foi escrito durante as férias e teve suas 160 páginas escritas em 42 dias, o que dá uma média de 3,8 páginas por dia. Imagino que meu ritmo seria mais ou menos esse, se eu não tivesse tantas outras coisas para fazer na vida.
Bem, falando da história em si, diria que ela pode ser dividida basicamente em três fases, não sei dizer se do mesmo tamanho, ou qual é a maior (em número de páginas), porque ainda não escrevi as três. Em termos de duração, a primeira fase é a maior, pois vai do início da história, no ano de 1913, até 1921. A segunda fase dura de 1922 a 1927 e a terceira fase começa em 1927 e termina no final da história, em 1928. Já terminei de escrever a primeira fase, e teve 125 páginas. Poderia especular que essa fase, por ter maior duração, deveria render mais páginas mas, como é “apenas” uma introdução, é melhor não arriscar nenhum palpite. A terceira fase é a de menor duração mas é a mais intensa, então deve render muitas páginas também. Quando acabar de escrever, eu conto qual ficou maior.
Em termos de desenvolvimento e amadurecimento do protagonista, posso dizer que estou indo bem. Toni começa a história com inocentes 13 anos e hoje tem 22 anos. Ele já tomou decisões importantes, já passou dificuldades, já sofreu injustiças: já tem uma visão mais realista da vida. Já saiu da sonhadora fase 1, para a realista fase 2. Caberá a ele harmonizar sonho e realidade, quando a fase 3 chegar.
E quanto ao blog? Bem, recebi mais de 1500 visitas, e meus textos foram vistos mais de cinco mil vezes ao longo do último ano. Infelizmente, ainda não tenho esses dados tabelados, mas acredito que os números vêm crescendo, o que, a meu ver, indica uma consolidação de minha presença na Internet.
Para o ano que se inicia aqui, meus planos são de continuar escrevendo minha história e contar o que posso no blog. O ponto de virada decisivo já passou, então não posso mais contar detalhes da história, para não deixar nem subentendido o que foi que Toni decidiu. Os textos aqui continuarão na linha do ano passado, que achei bastante interessante, e ainda há o que contar: as soluções que eu encontro para as questões que aparecem durante o processo de escrita, de forma que possam servir de dica para quem encontra o mesmo tipo de problema em seu texto.
Então parabéns para nós, que participamos deste blog, e boa leitura para todos.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

ANIVERSÁRIO

Não, não é aniversário do blog (1/6), nem aniversário de carreira (abril), nem meu aniversário, mas é uma data também muito especial. Amanhã, 22 de maio (dia de Santa Rita), completam-se 10 anos que terminei de escrever Construir a terra, conquistar a vida, e 16 anos que comecei a escrevê-la. Meu plano era comemorar esse número redondo com a publicação mas já que, como diz uma amiga minha, aniversários têm validade de um ano, então tenho ainda 365 dias para cuidar disso.

É estranho pensar que já faz tanto tempo que acabei de escrever minha maior história, e ainda lembro com clareza daquele dia. Foi doloroso despedir-me de amigos tão queridos, que participaram da minha vida durante seis anos. Depois que acabei de digitar, não fiz mais aquela leitura que às vezes faço nas outras, de tirar um dia e ler do início ao fim, para testar a coerência. Pudera, o dia teria que ter umas 80 horas para eu conseguir ler as 876 páginas de uma vez. Então acabo optando por ler fazendo uma espécie de divisão em episódios.

Antes de preparar a publicação – ou justamente ao preparar – preciso acrescentar expressões da época que recolhi em pesquisas posteriores à escrita. Será trabalhoso preparar essa publicação, pois serão necessários três ou quatro tomos para conter toda a história, o que implica em três ou quatro registros, três ou quatro fichas catalográficas, três ou quatro capas, além da diagramação dos três ou quatro tomos.  Enfim, quem mandou escrever muito? Mas, na verdade, será um prazer passar os próximos 300 dias revisando e preparando essa história querida para publicação. Rever Duarte sem abandonar Toni, pois são dois filhos que precisam de mim.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

NOVA FASE DE ESCRITA


Entrei na fase do tormento. Acabou a introdução, finalmente entrei na história propriamente dita. Na página 125, Letícia chega para mudar o rumo da vida de Toni. Daqui até o fim, a história está pronta: cada evento, cada cena, cada fala foi feita e refeita inúmeras vezes. Está tudo pronto na minha cabeça, ansiando por saltar para o papel, então cada minuto que eu não é escrevo é um minuto de tormento, porque as cenas não param de se repetir na minha mente, num desejo incontrolável de se tornarem reais na ponta da caneta. A partir de agora, não posso mais contar se Toni está empregado ou desempregado, nem o que ele anda fazendo para realizar seu sonho de viver em São Paulo. Não posso nem dizer se ele continua em São Paulo. A partir de agora, todos os eventos se relacionam à conclusão final. Estou montando o Ponto de Virada decisivo, o “Ponto sem volta” e, depois dele, depois que Toni escolher seu destino, o fim da história estará praticamente decidido. Toni está prestes a entrar no Turbilhão. E só conseguirá sair quando eu escrever “Fim”.

terça-feira, 1 de maio de 2012

TEMPO E DURAÇÃO


Acho interessante pensar em quanto tempo dura uma história. É uma informação que eu ainda não tinha tabelado. Sempre tenho a impressão de que minhas histórias duram dois anos, o tempo de que preciso para contar como o protagonista resolveu o principal conflito de sua vida. É claro que penso nas exceções, como A noiva trocada e Vingança, que duram menos, e Construir a terra, conquistar a vida e O canhoto, que duram mais. Mas, tabela feita, percebo que estou bastante enganada, e apenas uma história, num conjunto de 14, conta dois anos da vida do protagonista.

No extremo inferior da classificação quanto ao tempo de duração, tenho  A noiva trocada  e Vingança, em que a trama inteira acontece em uma semana, basicamente no mesmo lugar e com poucas personagens, não muito desenvolvidas, o que dá a elas, inclusive, ares de conto longo (a terceira história com essas características era À procura, que foi descartada). Em Nem tudo que brilha..., não marquei, nem com estações nem datas, o tempo de duração, mas eu diria que tudo acontece em menos de um ano.

A grande maioria das histórias, na verdade, acontece no decorrer de um ano. O processo de Ser não tem o tempo marcado, mas eu diria que começa no outono de um ano e termina no outono do ano seguinte, o mesmo que acontece em Primeiro a honra – esta, sim, com a passagem de tempo bem definida pela troca das estações. O Aro de Ouro, por ser o tempo de uma experiência científica, também tem início e fim pré-delimitados, e a duração de um ano e mais uns poucos dias, para introdução e conclusão, que é o mesmo que acontece com Fábrica, que também dura alguns dias mais do que um ano. Amor de redenção é um caso totalmente à parte, pois, embora tenha a duração de um ano letivo – a divisão de tempo da vida de Camila, é uma história que se projeta para o futuro, e tem suas raízes num passado remoto. Então ela, de fato, começa em 585 e só termina em 2043. Como eu detalho apenas o ano de 2003, considero que ela também tem duração de um ano.

Contrariando a minha impressão inicial, há apenas uma história com a duração de dois anos: O maior de todos. Pelo poder ou pela honra não tem a passagem do tempo tão bem marcada, mas dura ao todo praticamente três anos, da Batalha de Azincourt até a solução final dos conflitos.

Os outros romances são mais longos, o que implica também em um maior número de páginas. O destino pelo vão de uma janela não chega a ter um número grande de páginas, apesar de seus nove anos de duração, pois tem um salto de cinco anos no meio da história.  O canhoto  dura sete anos, Rosinha dura 15 anos e  Construir a terra, conquistar a vida dura 25 anos. Essa longa duração faz com que todas essas histórias tenham mais de 300 páginas (Rosinha ainda não chegou a esse número, mas vai chegar, pois estou na página 125 e só agora a história vai começar. Tudo o que houve até agora foi introdução e preparação para este momento).

Então não sigo mesmo um padrão para a duração das histórias que conto. Aparentemente tenho preferência por tramas mais curtas, que possam ser resolvidas em mais ou menos um ano, mas não tenho medo das tramas de longa duração, nem dificuldade em desenvolver texto para contar tudo o que acontece nesse passar de anos. Curta ou longa duração, cada tipo tem uma função específica no meu inconsciente, e ambas são igualmente necessárias para meu desenvolvimento pessoal.

sábado, 21 de abril de 2012

NOTÍCIA RÁPIDA


Estou realmente sem tempo de escrever textos especialmente para o blog. Estou dando um gás na história, e escrevendo lá no tempo que tenho livre. Estou até meio surpresa com a fluência com que o texto está brotando. Estou numa parte que não foi bem planejada e delineada, mas estranhamente pego a caneta e ela corre pelo papel como se as cenas, descrições e diálogos estivessem elaborados há meses. Fico até com medo do resultado que estou produzindo. Mas me agrada essa facilidade. Acho que estou ansiosa, porque quero chegar logo a 1922, e em 1921 nada acontece de tão importante. Os eventos estão sequenciados mas as cenas não estão detalhadas. Estão nascendo na hora, como se houvesse uma musa qualquer me soprando as palavras. São poucas correções, poucas alterações de rumo. Então estou quase chegando ao primeiro ponto decisivo da história. Que emoção!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

16 DE ABRIL

Estava eu pensando o que poderia publicar aqui hoje, já que não tenho nenhum texto pronto, não tenho nenhuma novidade significativa sobre a história que estou escrevendo, e já publiquei o texto sobre o aniversário de carreira. Cheguei a pensar em fingir que esqueci, e não publicar nada. Mas, quando olhei para o calendário, lembrei que dia 16 de abril é o Dia de Artus e resolvi falar sobre isso.

Primeiro, é preciso explicar o que é o Dia de Artus. Meus leitores mais assíduos vão se lembrar que eu inventei (em conjunto com minha amiga Cláudia) e comecei a escrever (coisa de 150 páginas) uma história em que o Rei Artus (forma bretã de Artur) voltava de Avalon para novamente reinar sobre a Bretanha, como rezam as velhas lendas. Isso acontecia no final do século XX, e ele acabava encontrando Richard, um rapaz apaixonado pelos romances do ciclo arturiano, que ajudava o Rei a reencontrar seus Cavaleiros e organizar a retomada do poder, através da Busca do Graal. Considero essa história (que começou com o nome de A nova Camelot e terminou com o nome de O sonho de Richard) um romance de cavalaria pós-moderno, pois, embora contenha elementos do romance de cavalaria medieval, tem uma estrutura de romance contemporâneo. A história era dividida em duas partes. A primeira parte começa em 1997 e vai até a virada do século XX para o XXI. Então há um salto no tempo, e a segunda parte começa de novo em 1997, contando uma espécie de realidade paralela com as mesmas personagens. Não dá pra explicar sem contar o grande evento que muda o rumo da história, fazendo o tempo voltar e a história se repetir mas de forma diferente. Então não posso explicar melhor. Bem, atualmente, a história está descartada porque a proposta, quando foi criada (1988) era que se passasse no futuro, e o ano de 1997 já ficou pra trás faz tempo. Eu poderia jogar para 2020, 2030, ou qualquer outra data no futuro, e o problema desapareceria, certo? Em princípio, sim, mas coloquei o tal evento decisivo bem na virada do século, e esse detalhe se tornou importante para a configuração do evento, então fica difícil mover a data. Eu teria que jogar para a próxima virada de século, mas não sou especialista em ficção futurista, e isso atrapalha um pouco. Mas tenho comentado tanto sobre ela ultimamente que de repente até retomo, e ela pode voltar à vida.

Mas o que o dia 16 de abril tem a ver com tudo isso? Simples: foi nesse dia que Richard encontrou Artus. Então, quando o dia 16 de abril de 1997 chegou (a história já descartada), eu lembrei de que ela estaria começando. E, como eu tenho essa “mania” de pensar que minhas histórias são reais, comecei a acompanhar os jornais, para ver se algum iria noticiar o regresso do Rei Artus ao mundo, e sua volta ao Trono da Inglaterra. Depois disso, todos os anos, no dia 16 de abril – Dia de Artus – eu me lembro dessa história, do que ela significou para mim naquele momento da minha vida, e fico pensando em como resolver a questão de ambientá-la no futuro: o que realmente é importante para a caracterização e para a ambientação que justifique eu deixar ou eu mexer. Este ano, vai fazer 15 anos que eu comemoro (sozinha) o Dia de Artus. Quem sabe um dia essa história não vem a público, e o dia 16 de abril se torna marcante também para outras pessoas, e poderemos comemorar essa data juntos? Vindo da minha cabeça, tudo é possível.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

DESCARTADOS

Neste texto comemorativo dos meus 27 anos de carreira literária, quero pegar um viés diferente. Em vez de falar nas ideias que deram certo, nos textos que viraram livros, vou falar nas ideias que não se tornaram histórias, e nos textos que foram descartados.

Pois é, nem tudo são flores na carreira artística. Ninguém consegue ser brilhante todo o tempo. Não se pode acertar todas. Cerca de 90% do que se produz serve apenas como exercício para não se errar de novo mais para frente. Só 10% (no meu caso, menos) de tudo o que se cria realmente merece ter prosseguimento e vir a público.

Sendo a época de fechar mais um ciclo (aniversário), posso fazer minhas contas e estatísticas: ao longo de 27 anos, tive 309 ideias (começos ou meios ou finais ou temas), das quais apenas 139 consegui desenvolver até o final (são histórias realmente) – ou seja, praticamente 45% de todas as ideias realmente se tornaram história com começo, meio e fim. Quando eu comecei a escrever, eu escrevia tudo o que eu inventava, sem me preocupar se depois conseguiria dar prosseguimento à ideia. Isso me fez ter muitos textos simplesmente começados, às vezes um punhado de páginas, uma cena, uma página, um parágrafo. É algo que poderia ter me desanimado, ter me feito questionar se eu de fato era capaz de levar uma narrativa até o fim, mas eu tinha tantas idéias novas todos os dias que considerava que em algum momento a inspiração para dar continuidade a todos os textos surgiria, talvez por mágica, talvez como um sopro das Musas. Acho que nem preciso dizer que todos esses textos incompletos, todas essas idéias que não renderam histórias estão devidamente descartados. Infelizmente, em algum momento eu rasguei algumas coisas, e hoje me arrependo, pois entre esses textos incipientes estava, por exemplo, o registro da primeira ideia de Rosinha, a história que hoje estou escrevendo. Então, embora eu tenha na memória que a estrutura básica foi mantida, como eu retomo muito certos temas, já não tenho certeza se a Rosinha de hoje realmente guarda vínculos com a Rosinha original, ou se misturei a estrutura com alguma outra história pelo caminho que tinha o mesmo tema (por exemplo, Espera e Raio de Sol).

Foram 139 histórias inventadas, mas não escrevi todas. Não basta a ideia ter um final, é preciso que eu goste dele, que eu considere que é uma história que vale a pena ser escrita. Também é preciso tempo para escrever. Então, são apenas 59 histórias que se tornaram texto - ou seja, 42% de todas as histórias inventadas e 19% de todas as idéias que já tive.

Escrever bem não é tarefa fácil. É preciso dar consistência à caracterização das personagens, descrever o ambiente, contextualizar, seguir a estrutura pré-estabelecida, criar bons diálogos, construir personagens interessantes, contar bem a história, redigir um texto coerente, não abusar do deus-ex-machina, utilizar as palavras e expressões corretamente, desenvolver cada cena no tamanho adequado, para citar só alguns aspectos. Então não é porque o texto está escrito que vou sair procurando editora para publicar. Tive sorte por perceber que era necessário apontar todos os defeitos e inconsistências dos textos e descartar tudo o que eu não considerasse próximo ao “perfeito” na época da análise. É por isso que, de tudo o que foi escrito, somente 19 textos permanecem, estou escrevendo um e pretendo escrever mais dois. Para efeito de estatística, vamos considerar que, pela minha experiência acumulada, essas três histórias que estou escrevendo ou vou escrever ficarão boas e serão sobreviventes (não, a minha experiência não garante que os textos ficarão bons. Só a avaliação posterior poderá julgar). Então, são 22 textos sobreviventes – ou seja, 37% das histórias escritas sobrevivem, o que equivale a quase 16% das histórias criadas, e 7% de tudo o que eu já inventei.

E que histórias são essas, que foram descartadas? Em geral, ideias bobas mas também ideias interessantes que eu não sei como desenvolver. Às vezes me vem à cabeça uma cena, ou um tema, e eu registro, para ver se acontece alguma coisa. Às vezes misturo idéias já tidas e invento uma coisa nova (Construir a terra, conquistar a vida é um exemplo de sobrevivente a partir de duas idéias descartadas). Pode dar certo ou não. Quero citar uns exemplos de histórias descartadas que me vêm à mente agora: a história de Juliana que pegou carona na garupa da bicicleta de André, na Ilha de Paquetá (escrita); a história de Roberto, que entrou de penetra numa festa grã-fina e saiu dela com o compromisso de dar uma festa igual (Champagne – não escrita); a história de Miguel, que comprou Alice para ser sua esposa (Tudo que o dinheiro pode comprar – escrita e quase publicada); a primeira história, que tentei reestruturar e reescrever duas vezes, sem sucesso (Sahara – escrita); Mosteiro (escrita), que se tornou O canhoto; Idade Média (escrita), que se tornou Primeiro a honra; Simultaneidade (não escrita), que fala de um rapaz que vive no presente e no passado ao mesmo tempo; Bonzinho mau-caráter, que já tem cinco versões inventadas e nenhuma escrita. Bem, são muitas e não vou conseguir citar nem as principais todas aqui. A última história que descartei foi À procura (romance), que era reescrita de À procura (conto), também escrita.

O descarte pode acontecer a qualquer momento. Há histórias que são descartadas logo após serem inventadas, pois é uma ideia que na hora não consigo levar adiante. Outras são descartadas depois de prontas, pois acho que não vale a pena escrever. Nesses dois casos, na verdade, estou descartando idéias e projetos. Ultimamente, como esse descarte preliminar ficou mais freqüente, é mais difícil descartar histórias escritas. Mas do que eu escrevi no início, pouco restou: foram descartadas em alguma avaliação posterior à escrita. As histórias estão sempre em risco de serem descartadas, até que eu as mande para a gráfica, como aconteceu com Tudo que o dinheiro pode comprar, que foi descartada quando eu preparava os arquivos para a gráfica. O limite entre a vida e a morte é bastante tênue, e as histórias estão sempre sendo reanalisadas e reavaliadas, então a morte paira sobre elas constantemente. Por isso chamo as boas histórias de sobreviventes: elas vêm escapando com sucesso de todas as avaliações.

Não tenho pena de descartar o que não considero perfeito. Sei como é fácil criar, como é fácil escrever. Então estou buscando mais do que isso: escrever bem, tramas sem furos, personagens interessantes, linguagem apropriada, contextualização conforme a necessidade da trama. Exigente como sou, tenho 19 textos sobreviventes. É mais do que um para cada dois anos de carreira. Hoje sei que o polimento do texto é mais demorado do que a escrita, então na verdade me considero bastante produtiva. A fila de publicação é que demora a andar, mas estou cuidando disso e logo anunciarei o lançamento de meu oitavo livro, A noiva trocada, em produção independente.

Chego aos 27 anos com uma maturidade que eu não imaginava alcançar quando comecei. É muito bom olhar para trás e ver o que foi construído. E essas histórias descartadas, em vez de serem fracassos, como poderia parecer à primeira vista, são na verdade o chão que eu piso, a escada que me faz progredir. Elas são as mestras que, se não ensinaram como fazer, ao menos ensinaram como não fazer, o que pode ser até mais produtivo e eficiente. Fica então minha homenagem a esses degraus que eu pisei, a esse caminho trilhado, cheio de sucessos que sobrevivem e de sucessos descartados.

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Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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