domingo, 21 de agosto de 2011

ROMANCE, NOVELA, CONTO, CRÔNICA

Não vou falar nenhuma novidade, e inclusive há sites, livros e textos que explicam mais detalhadamente as características desses quatro gêneros de prosa literária. Mas achei importante começar essa fase didática por um aspecto mais geral para depois começar a falar mais especificamente do romance, e de como é, para mim, escrever um romance.

Romances e novelas costumam ser mais longos do que contos e crônicas mas as diferenças principais estão na estruturação e na forma de se escrever cada um deles. O tamanho é conseqüência da estrutura, e não causa.

A crônica, em geral, é um texto curto, baseado em algum aspecto pitoresco da atualidade ou da vida cotidiana. Pode contar uma história ou ser apenas uma reflexão sobre algum evento. Portanto, pode ter personagens ou não. A linguagem é, em geral, leve, fácil e bem-humorada. Mesmo se a crônica contar uma história fictícia, a relação com o cotidiano permanece e a caracteriza.

A característica principal do conto é sua unicidade estrutural. Há apenas um aspecto a abordar, o que produz as outras características: poucas personagens, em geral planas; trama única; unidade temporal; unidade espacial. É uma narrativa rápida, que, por ser breve, precisa ser interessante do começo ao fim. Não há espaço para erros num conto. Há quem diga que, no conto, o mais importante é saber terminar, pois o final deve resolver, ou envolver, ou surpreender. O conto termina no clímax, e não depois (como muitas vezes acontece no romance). Escrever contos parece fácil. Escrever bons contos é bastante difícil. Há pessoas que acham que escrever contos é uma etapa na formação do escritor anterior a escrever romances. Eu não concordo. O trabalho do contista é diferente do trabalho do romancista. Conto não é “treino” para romance, nem vice-versa. Cada gênero tem suas características, suas especificidades, suas dificuldades, um modo de trabalho próprio, que requer do escritor certas características de personalidade e de atividade. É preciso ficar claro também que um romance não desenvolvido não é um conto. Ele só será conto se tiver a estrutura do conto. Outra coisa importante é que o conto precisa contar uma história: a trama (em inglês, plot) é um elemento fundamental e condição sine qua non. Foi por compreender tudo isso que eu parei de escrever contos.

A diferença entre romance e novela é tênue e é ponto de discussão mesmo entre os estudiosos. Há um acordo de que o diferencial é que a novela tem uma trama única e o romance tem, além da trama principal, várias tramas secundárias entrelaçadas, o que produz maior número de personagens e de ambientações. Diante disso, a novela seria um gênero a meio caminho entre o conto, com toda sua unicidade e objetividade, e o romance, com sua pluralidade e complexidade. Algo como um conto mais desenvolvido ou um romance simplificado. É importante não confundir o gênero literário “novela” com o gênero televisivo “novela”, pois são objetos com estruturas e características diferentes.

E finalmente temos o romance, com muitas tramas, muitas personagens, muitos ambientes, amplitude temporal e quantidade ilimitada de páginas para o autor escrever o quanto quiser. Por ser um texto em geral longo, o romance exige maior detalhamento na caracterização das personagens e ambientes, e a verossimilhança precisa ser mantida ao longo de toda a história. Por outro lado, o romance não precisa ser brilhante todo o tempo, mas pode ter partes mais interessantes e partes menos interessantes – no romance, há lugar para o erro e para a tentativa. Romance não é um conto longo, é um gênero específico. A mesma pessoa que me disse que no conto é importante saber terminar disse que, no romance, é importante saber começar. O primeiro capítulo é importantíssimo, pois é ele que vai apresentar o universo da ficção: quem são as personagens, qual é o ambiente, qual é o maior problema, que a personagem principal tem que resolver, e isso tem que ser feito de uma forma interessante (evitando o excesso de didatismo) para que o leitor queira ler o segundo capítulo. Por isso atualmente alguns autores estão preferindo começar o livro com uma cena de ação ou suspense, que chamam “Prólogo”, para só depois começar a contextualização necessária do primeiro capítulo, em geral usando o recurso do flashback.

Esta foi uma breve apresentação dos gêneros mais usados na prosa literária. Como isso é assunto de Teoria da Literatura, não me preocupei em dar detalhes. Há vários sites mais especializados no assunto e, na dúvida, quem tiver interesse pode começar o estudo pela Wikipedia mesmo: Crônica (literatura e jornalismo), Conto, Novela, Romance

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

JORNADA DO HERÓI

Pesquisando daqui e dali, visitando blogs de meus amigos, encontrei referência a um certo tipo de estrutura, usado especialmente para contar histórias fantásticas, que se chama Jornada do Herói (explicações aqui e aqui). Nas minhas histórias, a Jornada está relacionada a situações de exílio, que expliquei aqui. Os elementos dessa Jornada do Herói, com as devidas adaptações ao meu estilo e ao tipo de trama que eu conto, estão nitidamente presentes em sete das minhas histórias: Pelo poder ou pela honra, O maior de todos, Primeiro a honra, Amor de redenção, Fábrica, O canhoto, Rosinha.

Há duas diferenças importantes entre a Jornada do Herói e a estrutura dessas minhas histórias que de alguma forma acompanham esse modelo. Uma é a atuação do Mentor, que surge para encorajar o herói e entrar no mundo mágico. Nas minhas histórias, o Mentor em geral aparece depois que o herói já está fora de sua realidade, justamente para ajudá-lo a sair. E a segunda diferença, relacionada a essa primeira, é que minhas personagens não têm medo de enfrentar a Jornada, e não precisam de ajuda para entrar nesse “mundo mágico”- no meu caso, algum tipo de exílio – porque são jogadas dentro dele à força. Me faz lembrar da Divina Comédia, em que Dante de repente se vê na floresta escura (já é exílio) e Virgílio lhe aparece (Mentor) para guiá-lo até a nova realidade (Paraíso), embora passando pelos caminhos mais difíceis e sofridos (Inferno e Purgatório). É mais ou menos isso o que acontece nas minhas histórias: a personagem é forçada a algum tipo de exílio (ou por algum motivo o procura), onde encontra um Mentor para ajudá-la a amadurecer, resolver seus problemas e voltar.

Outro aspecto interessante de destacar é que nem sempre o herói da jornada é a personagem principal, como é o caso de O maior de todos, que tem Curt como personagem principal mas é Karl quem enfrenta a busca por si mesmo. Também é interessante o caso de Ninette, em Pelo poder ou pela honra, que supera a maior crise, enfrenta a morte, vence o medo mas perde o elixir. Quando fui ver se Nicolaas passava por essas etapas, tive dificuldade em definir os eventos de cada etapa e conclui que ele, na verdade, enfrenta três jornadas de uma só vez: uma de caráter religioso, com Maurits como Mentor e a superação do passado como Elixir; a segunda é pessoal, com Miguel como Mentor e a superação do sinistrismo como Elixir; a terceira é social, com Frans como Mentor e a Cruzada como Elixir. São três jornadas entrelaçadas, e as etapas de cada uma não acontecem ao mesmo tempo, mas cada uma em seu momento dentro de cada jornada.

É interessante pensar como essa estrutura está relacionada a uma espécie de inconsciente coletivo cultural uma vez que, mesmo sem buscar por ela, muitos escritores – eu inclusive – acabam por encontrá-la. Também é interessante que uma estrutura característica de romances de fantasia possa ser usada com sucesso em outros tipos de romances.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Quando você acha que as mortes ultrapassam dos limites?

Tenho pensado muito sobre essa pergunta, que me foi feita pela Amanda, e a conclusão a que chego é sempre a mesma: nunca. As mortes na ficção nunca ultrapassam nenhum limite. Matar as personagens não é uma questão ética, mas ficcional, e a ficção segue leis próprias, que não se baseiam nos princípios do mundo real. Quando um autor cria uma história e se mete a escrevê-la, é porque quer tratar de um tema, com um determinado objetivo, mesmo que não tenha plena consciência disso. Então, quando acontecem mortes na ficção, é porque há um plano maior de desenvolvimento da história, que faz com que aquelas mortes sejam necessárias. Diante disso, o limite aceitável de mortes varia conforme os objetivos do autor. Em O maior de todos, eu tenho Peste Negra e um complô para tomada de poder. É óbvio que morre muita gente, pois tenho dois eventos altamente mortais. Em Vingança também morre gente, pois o objetivo da história é contar a tentativa de vingança do rapaz.

Quando estruturo uma história, já decido quem precisa morrer quando e como, e as conseqüências dessa morte na vida das personagens principais. Depois, à medida que vou escrevendo a história e desenvolvendo as personagens, fico com pena, e tento poupá-las do destino decidido, mas nunca tenho como fugir, pois aquela morte é apenas um elo numa cadeia maior e, se a morte não acontecer, o rumo da história muda e ela pode, inclusive, se tornar inviável. Então eu tento envolver o leitor, para que ele sofra comigo por aquela morte inevitável, e entenda como ela era necessária para o crescimento emocional do protagonista e a continuação da história em seus objetivos.

Como já contei que há uma – e apenas uma – morte que eu podia ter evitado, porque não era essencial ao prosseguimento da história. Foi a única vez que, ao chegar a hora, eu perguntei “essa personagem precisa mesmo morrer?” e, embora a resposta tenha sido “não”, eu segui em frente e a fiz morrer, e contei cada etapa do processo de morte com todos os detalhes que pude. Eu podia ter evitado essa morte mas não o fiz, justificando que “a morte não mata só quem tem que morrer”. Sempre leio esse capítulo com um lenço na mão, porque as lágrimas são inevitáveis.

Então, Amanda, minha opinião é de que não há limite para a quantidade de mortes numa história. Tudo vai depender dos objetivos do autor e da estrutura montada. Pode não ser necessária nenhuma morte, ou o autor pode ter que matar todas as personagens. Também considero que não há limite qualitativo para as mortes, pelos mesmos motivos. O autor pode precisar apenas da morte de uma personagem terciária, ou pode precisar da morte do próprio protagonista para atingir seus objetivos. Tenho algumas histórias assim (umas sete, numa conta rápida), que acabam porque o protagonista morreu.

Também não vejo necessidade de limite para a maneira como a personagem morre (doença, acidente, assassinato, suicídio), nem para a quantidade de detalhes que o autor decide contar ao leitor – e aqui vou fugir só um pouquinho do tema da pergunta. Eu gosto de descrever os sintomas, as sensações, os sentimentos e pensamentos da personagem que está morrendo. Acho que isso a torna humana, e cria empatia com o leitor, que pode ter experiência de morte sem precisar passar por ela. É bem verdade que eu também nunca morri para ter a experiência que estou contando mas, a partir dos sintomas (informação que um médico ou um bom artigo de medicina pode dar), e do conhecimento que tenho da personagem, consigo imaginar como ela deve estar vivendo essa experiência, e por isso conto. Conforme seja meu vínculo afetivo com a personagem (que eu suponho seja semelhante ao do leitor com a personagem), eu enfoco mais ou menos os detalhes desagradáveis do que elas estão passando. Isso fica bem nítido em dois enforcamentos que acontecem em O maior de todos. Em um deles, como eu tinha simpatia pela personagem, o texto ficou assim: “Ele fez um gesto ao carrasco, que puxou uma corda, e o chão abriu sob Fulano. Os amigos não contiveram mais as lágrimas. Fulano debateu-se com força quase um minuto mas logo acalmou: estava morto”. Como eu não gostava da outra personagem, o texto ficou assim: “Karl fez um gesto ao carrasco, que puxou uma corda e o chão abriu sob Beltrano. O corpo contorceu-se com violência alguns segundos e depois parou: o feio estava morto” (as expressões em itálico são para não dizer os nomes nem dar detalhes da trama).

Nenhuma morte é fácil de ser contada, seja uma doença que consome (peste bubônica, pneumonia, enfarto, falência renal, virose, sarampo, depressão), um enforcamento, um envenenamento, um desmoronamento, uma queda de um lugar alto, uma espada (ou adaga ou punhal) que atravessa os órgãos ou o corpo inteiro, uma pancada na cabeça, uma adaga que corta a traquéia, o frio que congela o sangue, um emparedamento, um ataque de onça (percebam que eu não uso arma de fogo). Todas são difíceis de descrever e detalhar, mas é um procedimento necessário para chamar o leitor para dentro da história. Assim como se descreve em detalhes as cenas de amor, os beijos e carinhos, acho que também cabe descrever as cenas de horror. É esse conjunto que dá verdade a um livro. Além de tudo, a vida é assim, e o destino de todos nós, reais ou fictícios, é o mesmo: a morte. Precisamos parar de ter medo do inexorável.

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Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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