segunda-feira, 21 de março de 2011

REVOLTA E VINGANÇA

Minhas personagens em geral têm dificuldade de inserção social, e às vezes chegam a embates violentos contra instituições e práticas da sociedade. Mesmo quando se submetem às imposições, na verdade estão procurando meios de burlar ou vencer as instituições que cercearam o que se considerava um direito. Essa luta entre o que a personagem acredita que seja seu direito e o que a sociedade lhe permite é uma constante nas minhas histórias. Cabe lembrar que a família também é uma instituição social e, portanto, pode ser contra ela que a personagem se põe. Quando o desejo pessoal da personagem esbarra em algum preceito social, cria-se na personagem uma revolta e, às vezes, desejo de vingança, que ela busca resolver por meios pacíficos, com superação da dificuldade, mas sem medo de chegar a atitudes extremas. Algumas personagens perdem a noção do limite moral e podem ser bastante violentas.

Mas por outro lado, como o que a personagem quer é justamente conseguir inserir-se na sociedade, ela defende as instituições com a mesma fúria com que se contrapõe a elas. A vingança, nas minhas histórias, é quase sempre contra quem faz algo contra a família da personagem, pois qualquer desestruturação na família desestrutura a psique da personagem a e leva a agir, de todas as formas que considera possíveis, desde uma simples superação pessoal, até a tentativa de assassinato do agente desestruturador.

É interessante notar esse conflito que muitas vezes acomete as personagens: ao mesmo tempo em que se revoltam contra uma sociedade que não aceita seus desejos e necessidades pessoais, elas defendem essa sociedade, que tem por dever submeter todos os sujeitos às mesmas normas, indiferente aos interesses pessoais.

sexta-feira, 11 de março de 2011

GERENCIAR PERSONAGENS PRINCIPAIS

Já escrevi aqui como é ter poucas e muitas personagens; que na maioria das histórias sobreviventes tenho poucas personagens (menos de 30) mas que gosto mais do trabalho de criar e desenvolver mais de 30 personagens numa mesma história. E fica o desafio de lidar com os diferentes níveis de importância de cada personagem.

Numa história com poucas personagens, a divisão de importância é simples de resolver: o casal protagonista é principal, as pessoas mais próximas (familiares, amigos, antagonista) são secundárias e o restante é figuração, personagens quase nada desenvolvidas que aparecem para cumprir uma finalidade muito específica e que não interferem no desenrolar da história.

Mas, em histórias com muitas personagens, há, além das principais, grande número de secundárias e algumas terciárias, antes de chegarmos às figurantes. Em certos momentos, alguma secundária pode assumir o papel de conduzir a trama, tornando-se, assim, a principal naquele momento. E aí entra a dificuldade de gerenciamento, pois é necessário dosar a quantidade de importância que se dá a essa secundária, de forma que, resolvido seu conflito, ela volta a seu lugar e devolva ao verdadeiro protagonista seu lugar principal. Senti muito isso quando escrevi Construir a terra, conquistar a vida. As vidas de Duarte e Fernão, nos 25 anos que eu conto, não têm conflitos importantes o tempo todo. Por isso, várias vezes, os filhos assumiram o lugar de protagonista, carregando a trama até que o conflito voltasse aos protagonistas oficiais. Desta forma, a história mantém-se interessante, pois sempre há algo acontecendo, mas não sobrecarrego meus protagonistas. Por outro lado, Duarte não entrega o posto de personagem principal (ele é levemente mais principal do que Fernão) – e essa é a grande questão. É esse o cuidado que tive que ter, escrevendo e relendo todo o tempo, para que nenhum filho o sucedesse, tomando a frente e carregando a história, e deixando a Duarte apenas envelhecer no cantinho. Se isso acontecesse, o final previsto perderia o efeito, pois não envolveria mais o protagonista, mas um ex-protagonista. É o que eu chamo de “perder a personagem”- e é o que não pode acontecer. Se, a qualquer momento, eu desconfio de que a personagem principal está perdendo sua importância, é hora de fazê-la enfrentar o conflito de sua vida; ou voltar, identificar o ponto em que aconteceu a “passagem de bastão”, e re-escrever a partir daí, devolvendo à protagonista verdadeira a tarefa de conduzir a trama.

“Perder a personagem” é um risco real, que eu já vivi, e tive que descartar a história, por não ter percebido em tempo. Aconteceu naquela primeira história criada aos 13 anos, aconteceu em Um quadro, e em O castelo mal-assombrado, todas naturalmente descartadas. Ao chegar ao final da escrita fico satisfeita mas, quando vou reler, percebo o problema, e não há mais o que fazer além de deixar de lado, ou re-escrever tudo, o que nem sempre estou disposta a fazer.

Em O maior de todos, o desafio era conjugar as ações de Curt e Karl com o poder que eles detêm. Assim, deveria haver equilíbrio de importância, pois a questão do poder não estava definida. Então, embora Curt seja ligeiramente mais principal do que Karl (eu sempre me refiro a eles como Curt e Karl, e não Karl e Curt), o protagonismo deles se alterna e se equilibra.

Muitas vezes tive medo de perder Nicolaas pelo longo caminho que ele percorreu, não apenas nos cinco anos em 376 páginas, mas por todas as cidades por onde ele passou. Temi também que a característica mais marcante dele, que é a causa inicial de tudo o que acontece – o fato de ser canhoto – perdesse a importância, um dos problemas que me fez descartar Mosteiro. Houve ainda a questão dele contracenar com personagens secundárias bem construídas e detalhadamente estruturadas: Maurits de Jong e Juan Miguel Torres, que poderiam a qualquer momento roubar a importância. Por isso, nem as deixei protagonizar, e os problemas deles ficaram sempre com importância inferior aos problemas de Nicolaas.

Achar o ponto de equilíbrio é sempre uma tarefa delicada. Dar destaque às personagens secundárias? Não dar? Quanto dar? Cada história pede uma resposta própria e me desafia a seguir à risca a perspectiva proposta.

terça-feira, 1 de março de 2011

TIPOS DE FINAL

De todas as 306 idéias que tive, 137 são histórias com começo, meio e fim; dessas, escrevi (ou estou prestes a escrever) 54. Elaborei uma tabela com essas 54 histórias para poder comparar e analisar alguns aspectos das histórias e do meu inconsciente. É graças a essa tabela que consigo facilmente informar quantas pessoas morrem, quantas nascem, quem são as personagens vingadoras e as subversivas, e outras tantas informações de categorias e quantidades que dou aqui. Desta vez, resolvi atentar para os tipos de final, já que a minha impressão é de que não costumo fazer finais felizes.

Minha classificação não é assim tão simples (feliz ou infeliz), pois há as nuances “aparentemente feliz”, que na verdade é infeliz; e “feliz embora não pareça”, que parece infeliz mas é feliz. Há também a categoria “trágico”, que deve ser compreendida no conceito da Tragédia Grega “o que não pode ser de outra forma”. Então, num exemplo fictício, se a personagem principal sabidamente tem uma doença terminal e ao final da história ela morre, isso não é “infeliz”, mas “trágico”, pois era uma morte prevista e até esperada. Da mesma forma, se é notório que o casal protagonista, por um motivo qualquer, não tem condições de terminar a história juntos, isso também não é “infeliz”, mas “trágico”. A idéia que temos hoje de tragédia como coisa ruim em si não implica que meus finais trágicos sejam infelizes em si. Ou, dizendo de outra forma, meus finais trágicos são mais infelizes do que felizes, mas não havia como ser de outra forma. Não havia nada que eu, mesmo como criadora, pudesse fazer sem romper com as leis da física, da química e da biologia, sem falar na moral, na ética, e outras leis antropo-sociológicas e filosóficas. Não cabe a mim fazer milagres, nem posso abusar do Deus-ex-Machina. Então resta-me deixar o paciente terminal morrer e não lamentar isso, nem colocar esse fato na minha conta de infelicidade. Quando os finais são felizes ou infelizes (e todas as nuances), eu, como autora, tenho participação neles: fui eu que ajudei os protagonistas a conseguirem ou a não conseguirem o que querem. Eu podia ter ajudado mais ou menos mas decidi que o final seria aquele. O final trágico foge do meu controle, e não depende da minha vontade. Só o que eu podia ter feito e não fiz era botar o ponto final antes e deixar a história incompleta – o que, como escritora, não devo fazer.

Deixando de lado as explicações e partindo para os números: tenho 25 histórias com final “feliz”, 3 histórias com final “feliz embora não pareça”, 2 histórias com final “indefinido”, 7 histórias com final “aparentemente feliz”, 6 histórias com final “trágico”, 11 histórias com final “infeliz”. Somando-se as nuances, juntando os trágicos aos infelizes (já que aconteceu uma tragédia que eu não pude evitar), juntando os indefinidos aos felizes (pois neutro é mais feliz do que infeliz), pode-se finalmente resumir tudo em simplesmente “feliz” e “infeliz”. Dessa forma, percebo que eu, na verdade, tenho mais finais felizes (30) do que infelizes (24). Acho que preciso rever meus conceitos e minha tabela...

LEITMOTIVEN

Ontem reli o último capítulo de uma das minhas histórias de final trágico, em que a personagem principal morre no final. Chorei com lágrimas e soluços, como quem perde a pessoa mais importante em sua vida. É verdade que também chorei muito quanto escrevi, mas já foi há tanto tempo que eu acreditava que o vínculo estivesse mais tênue, e eu fosse me entristecer com lágrimas apenas, não com choro convulsivo. Minha reação emocional significa que a história ainda me agrada, pois reagi como gostaria que os leitores reagissem. Percebi que isso aconteceu não porque ainda estou envolvida emocionalmente com a história e as personagens, mas porque usei corretamente os leitmotiven para trazer de volta à lembrança do leitor certos momentos significativos do passado das personagens.

Leitmotif é uma palavra em alemão que significa “motivo condutor”. O grande nome do leitmotif na música erudita é Wilhelm Richard Wagner (1813-1883). Ele criava motivos musicais (por exemplo, trechos melódicos) para representar suas personagens e temas importantes dos dramas musicais que escrevia. Então, se a personagem está se referindo, por exemplo, ao ouro do Reno, a orquestra ou o próprio cantor estará repetindo o motivo musical (leitmotif) que se refere ao ouro do Reno.

Na minha história, nesse último capítulo, as personagens repetem falas passadas, que se referem a outros momentos, felizes e infelizes da vida de todos eles, fazendo o leitor lembrar do passado, em confronto com o presente, e construindo assim o sentimento de tristeza e perda que eu quero provocar. É um capítulo que retoma o passado e projeta o futuro, sem perder de vista a realidade trágica do presente. Acho que consegui amarrar todas as pontas que ainda estavam soltas, resolvendo, pelo menos em termos de expectativa, a vida de todas as personagens que ficaram. A última palavra do livro é “morte”, porque esse é o fim inexorável de todos nós, habitantes de corpos frágeis feitos de matéria orgânica sujeita à degeneração.

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Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

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