segunda-feira, 21 de junho de 2010

SÍMBOLOS

Desde as mitologias antigas, a literatura é carregada de simbologias. Personagens representam forças da natureza, acontecimentos são eventos cósmicos. Minhas histórias não são mitologias mas também são cheias de símbolos. Alguns eu acrescento conscientemente mas a grande maioria é de símbolos inconscientes. Todas as histórias têm alguma relação com o momento que estou vivendo, com meus dramas pessoais e problemas que tenho que resolver. Hoje, depois de alguns anos de análise psicológica, sou capaz de identificar alguns símbolos logo depois que eles aparecem mas outros eu só compreendo anos depois, com muita análise da estrutura da história e caracterização das personagens, e compreendendo muito bem o momento que eu estava vivendo quando escrevi. Um grande número de símbolos permanecem inacessíveis a mim, mesmo depois de todo esse trabalho. Algumas vezes eu consigo identificar que tal elemento é um símbolo, mas não consigo compreender o que ele significa.

É importante destacar que os símbolos não são óbvios. Casar não significa casar; matar não significa matar; personagens masculinas não são necessariamente homens reais; personagens femininas não são necessariamente mulheres reais. A troca de sexo, inclusive, é muito comum, além da mudança de papel social. Dessa forma, meu pai pode se tornar o patrão, minha prima pode se tornar o irmão, meu irmão pode se tornar a mãe, e também meu pai pode se tornar o pai, minha avó pode se tornar a irmã, e todas as possibilidades imagináveis. Eu mesma posso ser a personagem principal masculina ou feminina – às vezes alternadamente, ou simultaneamente as duas – além de estar diluída em todas as outras personagens, sejam homens, mulheres ou crianças.

Há casos também em que uma personagem simboliza várias coisas ao mesmo tempo. Em relação a uma personagem, representa uma pessoa; em relação a outra personagem, representa outra pessoa. Cada função e/ou cada papel da personagem se refere a uma pessoa real diferente, aglutinadas numa personagem que tem papéis sociais diferentes e se relaciona com várias outras personagens.

Fiz este texto propositadamente sem citar nenhum exemplo, fosse de personagem, situação ou história. Essa é a graça de escrever: despejo no papel meu inconsciente sob disfarces simbólicos tão complexos que o leitor só percebe a construção, a literatura, e não tem acesso pleno ao meu EU. Explicar aqui algumas simbologias retiraria delas a magia, e considero exposição excessiva. Seria não apenas me despir mas despir minha alma das máscaras que ela usa para se proteger, e isso é algo que não posso fazer publicamente. Contente-se o leitor em observar pela rótula da porta. Penetrar meu inconsciente é privilégio exclusivo de amigos muito próximos.

sábado, 12 de junho de 2010

DUARTE CORREIA

Para compor a personagem principal de Construir a terra, conquistar a vida, achei por bem começar aproveitando o que fosse possível da caracterização das personagens de Gerações e Franceses no MA, já que a nova história retomava temas e intenções das anteriores, como contei neste texto. Duarte, porém, nascia sob nova inspiração. Degredado, sim, mas não criminoso – pelo menos nada que pusesse maldade em seu coração. Teria, então, que ser pobre, e poderia ser condenado ao degredo por uma série de pequenos crimes mais inofensivos. Então o fiz um ladrão “de galinhas”, que vivia sendo preso e, por isso, tinha sido degredado de Portugal. Diante disso, o destino dele no Brasil seria certamente a cidade de Salvador. Para chegar ao Rio de Janeiro, local escolhido para a história, ele pegaria uma carona com a frota de Mem de Sá, e chegaria aqui em tempo de participar da expulsão definitiva dos franceses em 1567.
Enquanto elaborava as características físicas e psicológicas, ia pensando no nome. Gostei da idéia de usar um nome que era comum na época mas não se usa mais no Brasil – a ponto de ter virado sobrenome: Duarte. Pesquisando, descobri que o nome medieval Duarte evoluiu e hoje é Eduardo. Antes de se chamar Duarte, o nome era Fernando. Como Duarte soa mais antigo, e as chances de eu ter outra oportunidade para usar são remotas, preferi. Passei o Fernando para o sobrenome mas, como havia uma grande família Fernandes no Rio de Janeiro na época, troquei para Correia, sobrenome de um amigo português que tenho.
Precisava também definir o local de nascimento, com mais detalhes do que “Portugal, século XVI” (a primeira anotação que fiz). Escolhi a cidade de Lisboa, e que ele deveria ter perto de 30 anos em 1567, quando a história começa. Eu mesma tinha 26, então o fiz ter 27 anos, tendo nascido em 1540.
Foi difícil escolher a profissão e o motivo que o traria aqui. Ele podia ser soldado ou degredado, ou algum outro tipo de pobre que vinha acabar por aqui. Quando me decidi pela característica de degredado por ser ladrão de galinhas, pensei que ele poderia ter roubado um anel de bacharel e posar como tal. Mas, em algum momento, ele teria que provar suas habilidades de letrado, e a mentira viria a público. Achei melhor manter a nobreza de caráter e deixá-lo ser pobre assumido e honesto. Pela necessidade de conseguir para ele um emprego no Brasil, achei que ele poderia saber fazer contas. Decidi também, pelas datas dos eventos, que ele veio para o Brasil com Mem de Sá, em 1558 e depois para o Rio de Janeiro em 1567, para expulsar os franceses e se estabelecer aqui.
Pensei que ele poderia ter habilidade literária de criar versos, pois, como explicou a professora do curso que eu fazia na ECO/UFRJ na época, a literatura é a expressão artística mais difundida nas colônias porque não precisa de suporte para existir. Mas eu não sou boa em fazer versos, então ele nunca poderia divulgar suas composições, e isso empobreceria essa característica. Achei melhor tirar logo, e ele ficou mesmo sendo um pobre analfabeto sem maiores habilidades.
Logo percebi que a nobreza de caráter que eu esperava dele não condizia com uma pessoa que sempre viveu na pobreza, sustentando-se com furtos, pois isso o faria ter uma esperteza que eu mesma não tenho, por não ter tido uma vida assim. Então resolvi que o pai dele era rico, e ele teve uma infância confortável – quando a nobreza de caráter foi construída – mas ficou órfão e pobre na adolescência, e foi quando se tornou ladrão.
Listei também os temas que queria trabalhar, alguns provenientes das idéias antigas: solidão; nova vida na nova terra; luta e conquista da terra, que implica em tomar posse e defender; construção da pátria, numa espécie de nacionalismo incipiente.
Caberia a Duarte Correia, além de sustentar e conduzir toda a trama, ser o português deslumbrado com a natureza grandiosa do Brasil – e isso ficaria mais evidente por escolher uma índia para ser sua mulher. O encontro dos povos, quando selvagem e civilizado se encontram e se influenciam. Ao mesmo tempo em que ele a "civiliza", ensinando-lhe seus valores, ele também se "barbariza", na medida em que compreende – e até adota – valores da cultura dela. Assim foi se formando a cultura genuinamente brasileira, com costumes e valores próprios, inspirados mas diferentes dos costumes e valores dos povos formadores. No plano original, a índia morria ou o abandonava, para que ele se casasse com uma portuguesa e tivesse uma vida “normal”. Mas o amor deles foi tão verdadeiro que eu comecei a sofrer quando chegou a hora de separá-los. Então mudei os planos e deixei-os continuar juntos até o fim, enfrentando juntos todos os problemas que um casamento inter-racial gera, incluindo o destino dos filhos mestiços. Achei que era mais coerente coma personalidade dele ficar com ela a vida toda. E achei também que ela merecia viver esse amor até o fim da história. Não tem jeito: sou romântica e o amor tem que vencer. Nesse caso, o amor venceu até mesmo o projeto de desenvolvimento da história, e os desígnios da escritora-deusa, aquela que direciona os eventos, e a quem compete dar a vida e a morte.
Quando Duarte estava quase pronto, quis criar uma segunda personagem, que fosse, de alguma forma, um contraponto a Duarte. Tinha que ser brasileiro – de Salvador, provavelmente – para apresentar o ponto de vista do português deste lado do mar. Mas Fernão Lopes é assunto para outro texto.

terça-feira, 1 de junho de 2010

EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO – 1 ANO

Hoje faz exatamente um ano que comecei este blog. Em um ano, muita coisa mudou, idéias tomaram corpo, mas a essência continuou a mesma, e o Blog continua sendo um espaço para eu expor meu modo de trabalho, histórias das minhas histórias, como funciona meu processo de criação e construção dos elementos dos romances, e curiosidades em geral relacionadas a esses itens.

No meio do caminho, criei um segundo espaço, para conter informações básicas sobre as histórias, de forma que eu não precisasse repetir tudo cada vez que citasse a história. E recentemente ocupei um terceiro espaço para fazer a divulgação (e a venda) dos livros que tenho publicados. Os preços informados cobrem meus custos. Acho que não vou ficar rica vendendo livros...

Quando comecei com o blog, escrevia dois ou três textos por semana, o que me deixava sempre com uma boa reserva, caso alguma semana ficasse sem assunto. Mas no final de 2009, enquanto re-escrevia À procura, parei de produzir textos para o Blog – mas não parei de publicá-los – de maneira que minhas reservas se esgotaram e tenho que confessar que minhas idéias para novos textos também estão mais escassas. Portanto, se alguém tiver alguma sugestão a dar, alguma pergunta a fazer, não se acanhe.

Nas próximas semanas, pretendo criar mais vínculos entre os três blogs, para que eles se intercomuniquem mais, e o leitor tenha mais facilidade em passear por todos eles, envolvendo-se mais profundamente com a minha obra e o meu mundo pessoal. Assim, poderá ir do texto à sinopse, ao livro, ler um trecho da história, ver outros textos que se referem a essa história, tudo de forma simples e integrada.

Agradeço a meus leitores habituais, aos leitores esporádicos e a todos que em algum momento andaram por aqui, lendo, comentando, aproveitando de alguma forma o que eu tenho a dizer.

Outros textos interessantes

Um pouco sobre mim

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Mestre em História e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica-se à literatura desde 1985, escrevendo principalmente romances. É Membro Correspondente da Academia Brasileira de Poesia - Casa Raul de Leoni desde 1998 e Membro Titular da Academia de Letras de Vassouras desde 1999. Publicou oito romances, além de contos e poesias em antologias. Desde junho de 2009 publica em seu blog textos sobre seu processo de criação e escrita, e curiosidades sobre suas histórias. Em 2015, uniu-se a mais 10 escritores e juntos formaram o canal Apologia das Letras, no Youtube, para falar de assuntos relacionados à literatura.

Quer falar comigo? É aqui mesmo.

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